quarta-feira, 5 de setembro de 2012

macau instituto cultural

O Instituto Cultural perdeu autonomia”

SEPTEMBER 5, 2012

Houve uma Macau antes e outra depois da criação do Instituto Cultural (IC). Quem o diz é Jorge Morbey, antigo presidente da instituição. Hoje, e apesar de o IC manter um papel relevante na cidade, foi “burocratizado” e “perdeu a dimensão de autonomia” que tinha na sua formulação inicial, refere aquele que foi o segundo presidente.

“O IC, na sua formulação inicial, era uma instituição com autonomia administrativa e financeira, e património próprio. Tinha uma autonomia em relação à Administração, e essa autonomia não era uma ficção, era grande”, acrescenta Morbey. “Hoje penso que o Instituto perdeu essa dimensão de autonomia, porque é um mero serviço do Governo da RAEM. São outros tempos e outros enquadramentos políticos, provavelmente não poderia ser de outra maneira”, analisa.

Estávamos em 1982 e Jorge Rangel, então secretário para a Educação, Cultura e Turismo, decidiu que era preciso apostar numa estrutura que assegurasse o desenvolvimento cultural do território. “Foi das criações mais válidas que existiram em Macau e isso deve-se ao Dr. Jorge Rangel. Foi um projecto dele”, atesta Morbey. O IC, que teve como primeiro presidente o engenheiro João Calvão, nasceu pequeno mas depressa viu as suas áreas de intervenção multiplicarem-se. “Houve uma enorme expansão das actividades culturais, quer a nível do património, quer a nível da acção cultural, com a criação da Orquestra Chinesa e a continuação da Orquestra de Câmara”.

Os tempos eram outros e não havia na RAEM hábitos de consumo cultural enraizados. O segundo presidente do IC lembra que, “quando a Orquestra de Câmara começou a actuar era no ‘ballroom’ do [antigo] Hyatt, eram mais os membros da orquestra que a assistência para o concerto”. Iam cinco, seis, sete pessoas ver música ao vivo e muita gente achava um desperdício. “Diziam-nos ‘acabem com isso, não faz sentido ter uma orquestra com 30 e tal elementos a tocar para meia dúzia de pessoas’. Não se acabou com a orquestra, e ainda bem”, congratula-se Morbey.

Crescer com a cultura

Financeiramente, a actividade do IC depressa se tornou significativa “No segundo ano da minha passagem pelo instituto, conseguimos ultrapassar um por cento do orçamento geral do território, o que foi muito importante, porque de facto a cultura era o parente pobre. Nós aqui conseguimos dar esse salto”, prossegue Morbey. O salto foi possível devido à junção ao IC da então Biblioteca Nacional e do Arquivo Histórico de Macau.

A Jorge Morbey seguiu-se, precisamente, Carlos Marreiros, que esteve à frente dos destinos do IC de 1989 a 1992. Antes, o arquitecto já trabalhara no instituto e, mesmo quando passou para o privado, continuou a colaborar com Jorge Morbey, tendo estado na fundação da Revista de Cultura, da qual foi sub-director.

“Servi em duas alturas formalmente o instituto, mas sempre estive ligado a ele. Quando cheguei a presidente do Instituto tinha 32 anos, era o mais novo director de serviço na altura”, lembra Marreiros. “Havia uma coisa curiosa: eu despachava directamente com o governador [Carlos Melancia]. Muitas das coisas que pude fazer na altura, como com a profissionalização das orquestras e programas de cooperação com o exterior, foi graças ao facto de tratar directamente com o governador. Era mais rápido e mais eficiente. Faço também esta homenagem ao engenheiro Melancia, que foi um homem sensível para as coisas da cultura.”

Carlos Marreiros recorda que a Declaração Conjunta estava assinada desde 1987 e que estávamos em processo de transição. “Tínhamos de adequar as estruturas culturais de Macau tendo em vista o ‘handover’ de 1999. Foi um trabalho de criação de novas coisas e consolidação de outras, como o Festival Internacional de Música e o Festival de Artes. Foi um período extremamente difícil mas muito aliciante.”

As “grandes figuras da cultura portuguesa” que o IC trouxe a Macau, como Eugénio de Andrade e Natália Correia, são lembradas por Marreiros, acrescentando que aqui “deixaram obra”.

Sobre o momento actual do instituto, o arquitecto diz que “Guilherme Ung Vai Meng é a pessoa certa no momento certo. Ele conhece a casa há 30 anos”. Para Marreiros, já é possível ver “diferenças” na gestão do instituto. “Há uma maior aposta nas questões editoriais, um sector em que o IC perdeu pontos nos últimos anos, e no património – quer com a nova legislação, quer com a aquisição de edifícios com substância histórica, nomeadamente a casa ligada ao Sun Yat-sen.”

Ug Vai Meng é para Marreiros um homem “que faz a ligação de vários mundos, incluindo Portugal”. “Os artistas portugueses não são esquecidos. Isto dá-me alegria.” H.B.

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