quarta-feira, 19 de setembro de 2012

em memória de Luiz Goes


19 Setembro 2012

Em memória de Luiz Goes (1933-2012)



«O melhor cantor que terá passado por Coimbra, in illo tempore (em todos os tempos).» (João Conde Veiga)
«O que um leigo em música, mas com alguma sensibilidade, pode dizer é que se trata de uma voz portentosa: cheia, poderosa, de forte acento abaritonado mas de enorme amplitude, com plasticidade e timbre raros, que permite ao Goes alcançar com a maior naturalidade, interpretações de qualidade e brilho inimitáveis, a que também não são estranhas a inteligência dos poemas e das circunstâncias e a emotividade que lhe é própria.» (António Toscano)
«A sua obra é um monumento humano. É obra moça. Não exibe velhices precoces, é fruto de uma personalidade riquíssima, de uma sensibilidade invulgar e de uma visão plural da vida.
– É através de ti, da tua voz, das tuas interpretações, dos teus poemas, que Coimbra ultrapassa os limites da cidade, vai mais longe. Vai ao encontro de quem sonha, do homem só, adquire sangue novo.
Os labirintos da nossa alma profunda percorrem as suas canções. São pedaços de nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos.» (Carlos Carranca)
«Com Amália e Carlos Paredes, Luiz Goes está na galeria dos grandes intérpretes do século XX, expressões maiores do ser português.» (José Henriques Dias)
Tão rasgados panegíricos não chegaram – infelizmente – para poupar a produção de Luiz Goes ao criminoso boicote pelos sucessivos editores da 'playlist' da Antena 1, desde que foi implantada em 2003, presumivelmente em consonância com as orientações de António Luís Marinho e Rui Pêgo. Pergunta-se: será mesmo razoável que um artista de tal dimensão apenas surgisse (ainda assim, de tempos a tempos) nos espaços musicais da responsabilidade de Edgar Canelas ("Vozes da Lusofonia" e "Alma Lusa") e no programa "Lugar ao Sul"?
E como se explica que a Antena 1, ontem e hoje, tenha ficado quase alheada do seu falecimento? Digo "quase" porque só lhe fizeram referência, segundo me apercebi, João Paulo Guerra (na revista de imprensa – hoje, às 08:20) e Edgar Canelas (na rubrica "Alma Lusa" – hoje, às 12:50 e às 15:50). Muito pouco, quando seria expectável e de elementar justiça que a rádio estatal lhe rendesse ampla e conveniente homenagem pelo muito que deu à música portuguesa. O que poderia ser feito, sem prejuízo da realização de um programa evocativo, com a transmissão no início de cada hora da emissão de continuidade de um dos espécimes do seu repertório. Enfim!... mais uma clamorosa falha do "serviço público de rádio" que deixo à consideração de quem tem por competência monitorizá-lo e avaliá-lo.
Em jeito de tributo à memória de Luiz Goes, o blogue "A Nossa Rádio" destaca quatro das suas mais sublimes criações: "Homem Só, Meu Irmão", "Poema para Um Menino", "Cantiga para Quem Sonha" e "É Preciso Acreditar".

Homem Só, Meu Irmão


Letra e música: Luiz Goes
Intérprete: Luiz Goes* (in LP "Canções do Mar e da Vida", Columbia/VC, 1969, reed. EMI-VC, 1995; CD "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC, 1989; Livro/4CD "Canções Para Quem Vier: Integral 1952-2002": CD3, EMI-VC, 2002; CD "O Melhor de Luiz Goes", Valentim de Carvalho/Iplay, 2008) [>> YouTube]

[instrumental]

Tu, a quem a vida pouco deu,
que deste o nada que foi teu
em gestos desmedidos...
Tu, a quem ninguém estendeu a mão
e mendigas o pão dos teus sentidos,
homem só, meu irmão!
[instrumental]
Tu, que andas em busca da verdade
e só encontras falsidade
em cada sentimento,
inventa, inventa, amigo, uma canção
que dure para além deste momento,
homem só, meu irmão!
[instrumental]
Tu, que nesta vida te perdeste
e nunca a mitos te vendeste
– dura solidão –,
faz dessa solidão teu chão sagrado,
agarra bem teu leme ou teu arado,
homem só, meu irmão!

* Viola – João Figueiredo Gomes
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Julho de 1969
Técnico de som – Hugo Ribeiro

Poema para Um Menino

 
Letra e música: Luiz Goes
Intérprete: Luiz Goes* (in LP "Canções de Amor e de Esperança", Columbia/VC, 1972, reed. EMI-VC, 199?; CD "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC, 1989; Livro/4CD "Canções Para Quem Vier: Integral 1952-2002": CD3, EMI-VC, 2002; CD "O Melhor de Luiz Goes", Valentim de Carvalho/Iplay, 2008) [>> YouTube]

[instrumental]

Menino sem amor nascido,
menino sem amor gerado,
tão puro como um chão de trigo
crescido sem ser semeado...

Quando à noite houver luar,
mesmo que seja de frio,
desce o rio, faz-te ao mar
– cabe lá sempre um navio!

[instrumental]

Menino que de mim chegaste,
menino que de mim partiste,
chorei-me quando tu choraste,
sorri-me quando tu sorriste...

Quando à noite houver luar,
mesmo que seja de frio,
sem navio p'ra embarcar,
– seja eu o teu navio!

[instrumental]

* Violas – António Toscano e João Figueiredo Gomes
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Dezembro de 1971
Técnico de som – Hugo Ribeiro


Cantiga para Quem Sonha

Letra: Leonel Neves
Música: João Figueiredo Gomes
Intérprete: Luiz Goes* (in LP "Canções de Amor e de Esperança", Columbia/VC, 1972, reed. EMI-VC, 199?; CD "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC, 1989; Livro/4CD "Canções Para Quem Vier: Integral 1952-2002": CD3, EMI-VC, 2002) [>> YouTube]

[instrumental]
Tu, que tens dez réis de esperança e de amor,
Grita bem alto que queres viver!
Compra pão e vinho, mas rouba uma flor!
Tudo o que é belo não é de vender.
Não vendem ondas do mar,
Nem brisa ou estrelas,
Sol ou lua cheia.
Não vendem moças de amar,
Nem certas janelas
Em dunas de areia.
Canta, canta como uma ave ou um rio!
Dá o teu braço aos que querem sonhar!
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
Nem é preciso que saiba cantar.
[instrumental]
Tu, que crês num mundo maior e melhor,
Grita bem alto que o céu está aqui!
Tu, que vês irmãos, só irmãos, em redor,
Crê que esse mundo começa por ti!
Traz uma viola, um poema,
Um passo de dança,
Um sonho maduro.
Canta glosando este tema:
Em cada criança
Há um homem puro.

Canta, canta como uma ave ou um rio!
Dá o teu braço aos que querem sonhar!
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
Nem é preciso que saiba cantar.
[instrumental]
Canta, canta como uma ave ou um rio!
Dá o teu braço aos que querem sonhar!
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
Nem é preciso que saiba cantar.
[instrumental]

* Violas – António Toscano e João Figueiredo Gomes
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Dezembro de 1971
Técnico de som – Hugo Ribeiro


É Preciso Acreditar


Poema: Leonel Neves
Música: Luiz Goes
Intérprete: Luiz Goes* (in LP "Canções de Amor e de Esperança", Columbia/VC, 1972, reed. EMI-VC, 199?; CD "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC, 1989; Livro/4CD "Canções Para Quem Vier: Integral 1952-2002": CD3, EMI-VC, 2002; CD "O Melhor de Luiz Goes", Valentim de Carvalho/Iplay, 2008) [>> YouTube]

[instrumental]

É preciso acreditar!
É preciso acreditar
que o sorriso de quem passa
é um bem p'ra se guardar;
que é luar ou sol de graça
que nos vem alumiar,
com amor, alumiar!

É preciso acreditar!
É preciso acreditar
que a canção de quem trabalha
é um bem p'ra se guardar;
que não há nada que valha
a vontade de cantar,
a qualquer hora cantar!
[instrumental]

É preciso acreditar!
É preciso acreditar
que uma vela ao longe solta
é um bem p'ra se guardar;
que se um barco parte ou volta,
passará no alto mar
e que é livre o alto mar!

É preciso acreditar!
É preciso acreditar
que esta chuva que nos molha
é um bem p'ra se guardar;
que sempre há terra que colha
um ribeiro a despertar
para um pão por despertar!


[instrumental]


* Guitarra – António Andias
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