domingo, 22 de julho de 2012

DIAS DE MELO

  • Nuno Gomes dos Santos 

Recordar Dias de Melo em Abril
«Além de tudo, com a idade que tenho, importa que, entretanto, não me bata à porta o momento final». Escreveu isto o Dias de Melo, numa carta que me enviou, no dia 1 de Junho de 2006. Porém, o momento final chegou, dois anos depois de ter começado essa carta, respondendo à minha de pouco tempo antes, e que começava assim: «é sempre um consolo, no isolamento em que vivo, receber notícias de um amigo». Antes, a 26 de Novembro de 2005, escrevia-me: «parece que toda a tristeza do mundo caiu em cima de mim. A minha estrada está quase no seu termo». Nascido no dia 8 de Abril de 1925, na Calheta de Nesquim, ilha do Pico, Açores, Dias de Melo viveu os seus últimos anos numa azáfama de escrita, numa luta pela publicação dos seus livros, cada vez mais difícil dada a política editorial que em Portugal se implantou, de memória curta e de olho no lucro, sem grandes critérios de qualidade (as excepções confirmam a regra), e com pouca gente a dar-lhe o «consolo» que, por muitas razões, merecia mais do que tinha: poucos amigos, alguns familiares dedicados, muitas costas injusta e desumanamente voltadas. Foi, na opinião que sobre ele tinha Natália Correia, «o mais honesto escritor português». Escreveu poesia, foi cronista (no Diário de Lisboa, onde assinou textos numa coluna intitulada «Gente e paisagem» e fez amizade grande com Fernando Assis Pacheco), etnógrafo e, mais que tudo, romancista. Cito, apenas, alguns títulos: «Mar Rubro», «Pedras Negras», «Vinde e Vede», «Cidade Cinzenta», «Na Noite Silenciosa», saudados, em tempos, pela crítica intramuros e de fora parte, sendo traduzido em várias línguas, japonês incluído. Foi professor («recebi ontem a sua carta. Veio acordar em mim tanta lembrança e um pouco de saudade dos meus tempos de professor, embora o fosse sem qualquer vocação, que a minha era o mar», 12 de Janeiro de 2007). O mar. Aos 12 anos escreveu um texto intitulado «Desastre no Canal», que deu origem, mais tarde, ao romance «Mar Pela Proa». O título inicial foi modificado para se não dizer que o escritor ia a reboque de Nemésio e do seu «Mau Tempo no Canal». Desse canal e desse mau tempo sabia o Dias de Melo, baleeiro que foi e que sobre baleeiros escreveu, muito e bem. Homem preocupado e empenhado nas questões sociais («o negócio do livro está mau. Com a crise que aí vai, tomara as pessoas ainda poderem comprar coisa que mastigar», carta de 8 de Janeiro de 2006), Dias de Melo sempre se afirmou contra a ditadura e, até ao fim dos seus dias, pronunciou-se a favor de uma maior igualdade social, mantendo uma actividade política participativa. Tinha, com a sua idade e o seu passado, muitas estórias para contar. E contava-as com prazer e sabedoria. Como esta, por exemplo, sobre Vitorino Nemésio:«Nemésio, pelo menos no liceu, tinha grande embirração com a Matemática. Na Terceira, foi umas quantas vezes a exame e nunca conseguiu passar. Foi então ao Faial e saiu-lhe a sorte grande: teve por professor de Matemática o senhor Florêncio Terra, notável escritor, embora pouco conhecido, e homem bom. No fim do ano, no conselho das notas, ao chegar ao Vitorino Nemésio, diz para os colegas: Este aluno não merece passar. Mas vou dar-lhe o 10. O que ele vai ser é um notável escritor e não serei eu a cortar-lhe as pernash» (carta datada de 21 de Novembro de 2006). De Dias de Melo poder-se-ia escrever muito e muito mais. Creio que, também, perguntando coisas ao Fernando Tordo, um seu grande amigo dos tempos do «exílio» do grande cantautor no Faial, ali a duas braçadas do Pico, ilhas de olhos nos olhos bem captadas pela câmara de José Medeiros no documentário «Toadas do Mar e da Terra – Uma Viagem ao Universo do Escritor Dias de Melo». Por mim, vou relendo a obra do «mais honesto escritor português» e as suas cartas, que começavam, inevitavelmente, assim: «caríssimo Nuno Gomes dos Santos».


ps Dias de Melo esteve em 2008 no colóquio da lusofonia da Lagoa quando o começamos a revelar e faleceu passado uns meses em setembro desse ano...leia o caderno de estudos açorianos e o suplemento a ele dedicado em http://www.lusofonias.net/cat_view/99-estudos-acorianos/103-cadernos-acorianos.html?view=docman e em
http://www.lusofonias.net/cat_view/99-estudos-acorianos/108-suplementos-dos-cadernos-acorianos.html?view=docman

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