quarta-feira, 11 de julho de 2012

crónica do quotidiano inútil vol 5

inéditos

548. queria ser toké 11 julho 2012


eu queria ser toké e contar o que vi
desde que partiste em 1975
queria saber falar
dar os nomes  os locais e os atos
de todas as atrocidades, violência e mortes
que testemunhei mudo na minha parede

eu queria ser toké e escrever tudo
queria contar o que não querem que se saiba
queria contar o que não queriam que se visse
queria contar os gritos que ninguém ouviu

queria ser água e apagar os fogos
que extinguiram a nossa história
como se não fora possível reconstruí-la

queria ser pássaro e levar nas asas
todos os que foram chacinados
violados, torturados e obnubilados
voar com as crianças que morreram de fome
as mulheres tornadas estéreis

tanta coisa que queria dar-te Timor
e não posso senão escrever palavras
lembrar teu passado heroico
sonhar futuros ao teu lado

547. eleições sem lições em Timor, 8 julho 2012


dili 23 setembro 1973
cheguei hoje a Timor português
a vinda marcará a minha vida para sempre
sem o saber nunca mais nada será igual
o futuro começa hoje e aqui
entrei  no tempo da ditadura
sairei na democracia adiada

na bagagem guardo sabores,
imagens e odores
sonhos de pátria e amores
divórcios e outras dores

cheguei sem bandeiras nem causas
parti rebelde revolucionário
tinha uma voz e usei-a
tinha pena e escrevi sem parar
pari mais livros que filhos
para bi-beres e mauberes

48 anos de longo inverno da ditadura
24 de luta independentista
agora que a Lois vai cheia
e não se passa na seissal
já maromác se apaziguou
crescem os lafaek nos areais
perdida a riqueza do ai-tassi
gorada a saga do café
resta o ouro negro
para encher bolsos corruptos
sem matar a fome ao timor

perdido nas montanhas
sem luz, água ou telefone
repetindo gestos seculares
mascando sempre mascando
o placebo de cal e harecan
mas com direito a voto
para escolher quem o vai explorar
sob a capa diáfana da lei e ordem
do cristianismo animista

oprimido sim mas enfim livre.



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