segunda-feira, 18 de junho de 2012

destruição património (Portugal)

in diálogos lusófonos

Aldeia avieira da Póvoa de Santa Iria ameaçada de demolição pela Câmara de Vila Franca de Xira



  
Esta cultura faz parte do movimento migratório que acompanha a história do país: em meados do século XIX, pescadores de Vieira de Leiria deslocavam-se sazonalmente para o Tejo e o Sado, numa área compreendida entre a Chamusca e Grândola, à procura do sustento da pesca que não encontravam durante o inverno no mar, tendo, um dia, aí se fixado em permanência.
Hoje, esta cultura marca a identidade viva e secular destas zonas ribeirinhas, com as casas em palafita (sobre estacas), cuja tipologia habitacional (organização do espaço) é distinta e irrepetível, os barcos típicos (bateiras) e a continuação destas artes por vários pescadores.
Já desde 2008 que existe um projecto para a candidatura da cultura avieira a património nacional, liderado pelo Instituto Politécnico de Santarém, contando com o apoio de diversas autarquias e tendo muitas entidades e instituições se juntado a este propósito desde então.

No início de Setembro de 2010, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT) aprovou o co-financiamento, dentro do PROVERE, do Projecto de Desenvolvimento da Cultura Avieira do Tejo e do Sado, com o objectivo de estudar a cultura avieira, criar um plano de acção e de definição de estratégias para o desenvolvimento de uma rota turística, cultural e económica com base nas zonas ribeirinhas e singularidade das aldeias avieiras. Uma das ideias será criar uma rota turística que vai da Marina do Parque das Nações, na foz do Tejo, em Lisboa, até Constância, e que poderá ser percorrida por via fluvial ou terrestre.
Este projecto será financiado a 70% por fundos comunitários, no âmbito do QREN, com os restantes a provirem das autarquias envolvidas no projecto, até ao momento seis (Almeirim, Alpiarça, Azambuja, Cartaxo, Salvaterra de Magos e Santarém).
Também no âmbito do Projecto Polis Rios, muito publicitado pelo Ministério do Ambiente, a ter início no rio Tejo, se “poderá integrar o apoio à requalificação das aldeias avieiras”, de acordo com as palavras do presidente da Administração Hidrográfica do Tejo, em representação da Ministra do Ambiente, no encerramento do I Congresso Nacional de Cultura Avieira, em Maio deste ano.
Apesar do reconhecimento da importância desta cultura e o interesse pelo seu estudo e valorização patrimonial e turística, existem aldeias avieiras ameaçadas de destruição. É o caso de dois assentamentos da cultura avieira de grande importância, situadas no concelho de Vila Franca de Xira (VFX), em Esteiro da Nogueira e Póvoa de Santa Iria.
A aldeia avieira de Póvoa de Santa Iria já foi parcialmente demolida pela Câmara Municipal, a qual tem a intenção de deitar abaixo o que resta, colocando um fim aos últimos testemunhos materiais e representativos desta comunidade única no concelho. Muitas das famílias e pescadores que aí viviam foram realojados longe do rio e do local onde habitam há gerações, sem grandes alternativas perante a degradação das suas habitações que a Câmara prefere demolir a reabilitar.
É que a construtora Teixeira Duarte comprou os solos da Póvoa de Santa Iria situados junto ao rio, onde se insere o bairro dos avieiros e em tempos havia salinas, com séculos de existência, antes de terem sido ilegalmente aterradas. Para este local a Câmara aprovou um loteamento com 1270 fogos a favor da construtora, só possível através da revisão do próprio Plano Director Municipal, em 2009, tendo, assim, avançado recentemente com a deslocação dos pescadores e suas famílias e a destruição das casas avieiras para permitir mais construção e betão na zona ribeirinha.
Tudo isto com a cumplicidade do programa Polis para a requalificação da zona ribeirinha do Tejo na zona sul de VFX que inclui esta área em questão. Estranhamente, o Polis ignora a existência do bairro de avieiros e as famílias e pescadores que aí tinham ou têm a sua habitação, junto do rio, visando apenas “proporcionar à população que tem como sua principal subsistência a actividade piscatória no rio Tejo, as condições necessárias para a guarda dos seus artefactos de pesca e local seguro de amarração das suas embarcações”. E, mais, prevê a instalação de um Parque Urbano, com gasto de verbas públicas, na área de cedência dos espaços verdes do loteamento.
Aliás, é muito questionável que as verbas públicas colocadas à disposição pelo Polis estejam a ser utilizadas pela Câmara Municipal de VFX para efectuar obras em áreas de cedência de espaços verdes de novos loteamentos por si aprovados e que estão projectados desde a Póvoa de Santa Iria até ao Sobralinho junto ao rio, aumentando a pressão humana sobre o Tejo. Os objectivos do Polis estão, portanto, subvertidos, já que está a ser usado para alimentar a especulação do solo, destruir o património cultural e danificar a identidade local, ao invés de promover a requalificação da zona ribeirinha, a preservação dos valores naturais e aproximar as populações do usufruto sustentável.
João Serrano, do núcleo coordenador do projecto de Desenvolvimento da Cultura Avieira, mostra-se muito preocupado que este “património histórico e cultura possa vir a ser destruído”, referindo que a intenção do projecto é “valorizar tudo o que ainda existe e as famílias que continuam a viver do Tejo". O núcleo apelou para que "não deitem abaixo o que resta, recuperem a aldeia avieira e mantenham os 19 cais palafíticos", como a que a Câmara Municipal adira ao projecto, o qual “seria ainda mais forte se a aldeia avieira da Póvoa de Santa Iria estivesse incluída, porque este seria o primeiro ponto de paragem da Rota dos Avieiros”, na nova rota turística a ser criada.
http://www.beparlamento.net/aldeia-avieira-da-p%C3%B3voa-de-santa-iria-amea%C3%A7ada-de-demoli%C3%A7%C3%A3o-pela-c%C3%A2mara-de-vila-franca-de-xira

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