sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

O jogador e o linguista


Por Galeno Amorim

O sonho do pequeno Edward era ser jogador de futebol. Começaria, naturalmente, envergando a farda verde e amarela do glorioso Mirassol Futebol Clube, a esquadra então recém-criada na cidade. Mais adiante certamente ainda iria parar num time grande. Talvez até virasse ídolo no escrete nacional, ele suspirava.

Por falta de treino é que não seria. Afinal, todo santo dia ele e os amigos praticavam, com fervor quase religioso, o esporte que ainda haveria de levar aquele bando de garotos sem eira nem beira de Mirassol, no interior paulista, à redenção e à glória. Era o sonho e a esperança de Edward. Dele e, provavelmente, de todos os outros meninos do Brasil.

E foi, de certo modo, pelas mãos do futebol que a vida dele começaria, de fato, a dar uma virada. Literalmente, por causa uma bola. Edward, não mais do que oito anos, estava bem no meio de uma disputadíssima pelada no pátio da escola. De repente, alguém dá um chutão. A bola vai parar lá longe. O menino é escalado para resgatar a preciosa, que se enfiou por uma maldita janela aberta e foi parar sabe-se lá onde.

O menino foi e viu. E gostou do que viu.

Jamais vira tanto livro junto assim em sua vida inteira de moleque. O lugar era uma biblioteca, que acabara de receber, justo naquela hora, uma nova leva de livros novos.

Ele pegou um deles. E o título sugestivo já instigava: “A Banana que Comeu o Macaco”. Que troço será esse?! O candidato a futuro craque da seleção canarinho deixou a bola de lado e foi ler o livro.

Em um ano, Edward devoraria nada menos do que outros 250 livros.

Aos poucos, já estava escrevendo melhor. E tinha mais ideias. Certo dia o professor mandou, sem que ele soubesse, um de seus textos para um concurso estadual. O já ex-futuro atleta faturou o primeiro lugar e passou a, cada vez mais, gostar dessa coisa de ler. Abiscoitou mais um e outro prêmio e, quando viu, até algum dinheirinho a mais no bolso.

Ele estava crescendo e resolveu mergulhar outra vez nesse negócio de livros. Até ali, enfim, tinha dado certo. Mas agora queria era ir atrás do sonho da mocidade mais brilhante da época: ir trabalhar no banco, e, de preferência, no Banco do Brasil.

O danado é que tirara um tremendo zero na prova de Contabilidade. Mas, de novo, os livros deram uma mão pra ele livrar a cara: como lia de tudo, acabou tirando dez em todas as outras matérias. Acabou ficando em segundo lugar na lista nacional.

Os livros mais uma vez mudariam a vida do rapaz. Certo dia, na aula do cursinho, ele corrigiu a professora. A escola não teve dúvidas: botou o jovem aluno no lugar dela.

Mas quando foi pra faculdade cursar Direito, viu que as coisas não seriam tão fáceis assim: de uma hora pra outra, descobriu, por exemplo, que não sabia nada de latim. E lá foi ele novamente pedir socorro aos livros. Entrou num velho sebo em São Paulo e lá arrematou meia dúzia deles. Em pouco tempo, resumindo um aqui e outro ali, o moço tinha feito seu próprio livro de Latim - o primeiro de uma série de títulos que ainda viria pela frente.

E como leitor e livros não se separavam mesmo, Edward resolveu ir de vez atrás deles. Ingressou no curso de Letras e acabou, para surpresa dele próprio, virando um linguista famoso. Escreveu obras e mais obras sobre Semiótica e Linguística. Deu aulas na universidade e passou a estudar mais profundamente o assunto. Em algum tempo, já era uma referência na área. Uma celebridade mesmo.

Hoje um craque nacional do mundo das pesquisas, o linguista e escritor Edward Lopes diz que, ao contrário das ciências, a arte é eterna. Por isso, anda relendo Dante, Homero, Shakespeare...

Independente do que forem fazer pela vida afora, ensina o mestre, as pessoas precisam ler mais literatura. E a sua capacidade de criar, garante ele, jamais terá fim.
Postado por João Jorge Pereira dos Reis às 09:25

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