segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A lusofonia no meio de algumas contradições * Fernando Cristóvão


A lusofonia no meio de algumas contradições *

Fernando Cristóvão**

Artigo publicado na revista Letras com Vida, do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias (Clepul), da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, n.º 2, do segundo semestre de 2011. Redigido conforme, já, as novas regras do Acordo Ortográfico.

É um facto que nesta primeira década do século XXI a Lusofonia se está a afirmar como uma realidade, ainda que em construção permanente, com avanços e recuos, como é próprio de um crescimento em idade jovem.
Há uma quantidade enorme de instituições e eventos que se adjetivam de “lusófonos”. Basta procurar na Internet para se avaliar o número e diversidade das formas de diálogo na Lusofonia.
A título de exemplo: há um “Dia da Língua Portuguesa e da Cultura Lusófona” (5 de maio), criado pelos Ministros da Cultura da CPLP, em 2009. Há uma Universidade Lusófona, um Centro de Literaturas Europeias e Lusófonas da Faculdade de Letras de Lisboa/FCT, vários programas de Cursos de Literaturas Lusófonas nas Universidades e outras Escolas. Existem associações também adjetivadas de lusófonas, como a União de Médicos, Escritores e Artistas Lusófonos – UMEAL (1992), a Federação das Associações Lusófonas das Ciências da Educação – LUSOCOM, a Associação de Cultura Lusófona – ACLUS, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (2000), Jogos da Lusofonia (2004), Associação Lusofonia, Cultura e Cidadania – ALCC (2007), Movimento Internacional Lusófono – MIL (2009), Academia de Letras e Artes Lusófonas (2009), etc., etc.
Para além disso, numerosas são as atividades efémeras que se declaram lusófonas nas áreas do comércio, da agricultura, da gastronomia, dos desportos, do espetáculo…
Nesta reflexão serão consideradas, sobretudo, algumas instituições maiores e factos significativos de base que garantem tanto a estabilidade como o caminho do progresso da causa lusófona.
Também outras instituições menores e múltiplos acontecimentos atestam este movimento e “ideal”, e delas são frequentes as notícias nos órgãos de comunicação social, pelo que não as mencionamos.
1.    Instituições e Factos da Lusofonia
1.1    Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
De importância capital, nesta década, e para a Lusofonia, é o Acordo Ortográfico e a sua entrada em vigor.
Entre as situações de polémica, ainda permanece em alguns o desagrado pela palavra “Lusofonia”. Resistência esta incompreensível, até por parte de pessoas cultas que sabem perfeitamente basear-se o sentido do termo na etimologia das suas duas componentes – luso, fonia –, que significam, respetivamente, lusitano ou português, e fonia, o mesmo que “fala”, palavra esta originária do verbo grego foneo, que significa falar. Ou seja, Lusofonia = fala lusa. Exatamente a “fala” comum que todos os países das antigas colónias adotaram nas Constituições como sua língua materna ou oficial.
Assim, nas negociações do Rio de Janeiro, os países lusófonos presentes, em pé de igualdade, decidiram, em 12 de maio de 1986, aprovar e adotar as “Bases Analíticas da Ortografia Simplificada da Língua Portuguesa de 1945, renegociadas em 1975 e consolidadas em 1986”.
No “Protocolo do Encontro de Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, de 6 a 12 de maio de 1986 (versão textual unificada)”, que acompanhou a assinatura do texto das Bases Analíticas, entre outros considerandos, se registou no ponto 4.1: “O longo interregno de vigência de duas ortografias não foi, porém, estéril, pois apontou o caminho da unificação. Passou-se a compreender que uma grande língua de cultura, como a portuguesa, falada por mais de 170 milhões de pessoas, não podia subsistir com apenas dois focos ortofónicos de pronúncia, devendo, ao contrário, aceitar a tese de que padrões cultos próprios existiam e existem em todo o âmbito geográfico dos sete países. Em decorrência, a ortografia que servisse a todos os seus padrões cultos deveria abandonar a representação de quantos traços tópicos ou localistas tivessem tido as duas ortografias oficiais.”
Continuava o Protocolo considerando que: “Na prática, esse ideal de estabelecimento de uma ortografia supratópica, supranacional, suprarregional, postulava os seguintes critérios…” etc., e assim em função deles foi assinado o texto.
Já foram historiadas até à exaustão as diversas reações polémicas ao Acordo, como aliás tem acontecido com todos os acordos ortográficos, até que, reavaliado pelas academias que o elaboraram, nele introduziram algumas propostas julgadas pertinentes.
Em Portugal, o texto do Acordo e seus considerandos foram publicados no Diário da República – I Série – A, n.º 193 de 3/8/1991, por Decreto do Presidente da República n.º 43/91, de 23 de agosto, sendo presidente da República o dr. Mário Soares, o primeiro-ministro, Fernando Nogueira, o presidente da Assembleia da República. prof. Vítor Pereira Crespo, que o aprovou para ratificação em 16 de dezembro de 1990.
Desde então, e após vários ajustamentos de datas e assinaturas suficientes, está o Acordo a entrar progressivamente em vigor.
A importância do Acordo que parece alguns opositores não quererem entender está no facto de que ele deixou de ser um problema simplesmente filológico para se tornar predominantemente num instrumento de política da língua nos seus diversos espaços lusófono e outros. Daí que o já indiscutível caráter convencional da escrita, existente nas diversas prosódias dentro de um mesmo país, mais forte e exigente se torna quando comum a oito países e regiões várias, de culturas e tradições diferentes.
Não é de mais recordar que ortografia não é sinónimo de língua, que a língua portuguesa está enriquecida com diversas variantes nacionais e regionais, e que uma ortografia unificada a todos serve quer no ensino, na edição, na prática comum, etc.
Para tudo dizer, seria um verdadeiro absurdo e atentado à lusofonia, o uso de uma língua comum com duas, três, quatro… ortografias, tanto no uso nacional como no internacional.
1.2 Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP e seus projetos
Órgão indispensável para o bom funcionamento e eficácia internacional da lusofonia, criado em 1996, tem merecido mais críticas que louvores pela simples razão de que, sendo indispensável, dele se espera muito e se vê realizado pouco.
Observando as críticas que se têm feito, transparece, indiretamente, tanto em relação à CPLP como ao IILP, a irritação e a deceção de quem espera, e tem o direito de esperar, que nas suas esferas de ação sejam imaginativos e eficazes.
E tanto desejam os lusófonos como os outros que o não são, e com a CPLP desejam relacionar-se pelas mais variadas razões, desde as estratégicas às políticas, económicas, etc.
Assim, a CPLP se tem tornado apetecível, a ponto de desejarem a ela estarem ligados, com estatuto de membro, de observador ou de simples possibilidade de assistirem às reuniões países como: a Austrália, a Indonésia, a Ucrânia, a Suazilândia, a Guiné-Equatorial…
Até ao ano 2009, foram já catorze as reuniões ordinárias dos ministros da CPLP e cinco as extraordinárias do Conselho de Ministros da CPLP, abordando os mais variados projetos que vão da internacionalização da língua e seu uso pelas grandes instituições internacionais a questões como a adoção do Acordo Ortográfico, apoio à consolidação da democracia, por exemplo, na Guiné-Bissau, aos objetivos do milénio e à Aliança das Civilizações…
Textos esses longos e pormenorizados, sobretudo em aspetos político-diplomáticos.
Merecem especial menção os seguintes:
•    “I Fórum de Ministros responsáveis pela Área da Administração Interna dos Países da CPLP” – Declaração de Lisboa, de abril de 2008, em 22 considerações, saudações, e apoios.
•    “Reunião Extraordinária de Ministros da Educação e Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, Lisboa, novembro de 2008, com 21 “decisões”, recomendações, propostas e respetivas alíneas.
•    “V Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros da CPLP sobre a Guiné-Bissau”, com uma declaração sobre a situação e constrangimentos do quadro político-constitucional do país, e coordenação de esforços com a Cedeao, em março de 2009.
•    “Declaração da Reunião Ministerial de CPLP em Praia, 20 de julho de 2009”, contendo uma declaração e um comunicado final em 27 itens e suas alíneas, desdobrando-se o item número 9 em outras 12 alíneas sobre a importância da concertação político-diplomática para o reforço da actuação internacional da CPLP.
•    “Resolução sobre o Plano de Ação de Brasília para a Promoção, a Difusão e a Projecção da Língua Portuguesa”, de Brasília, março de 2010, que estabelece estratégias várias e linhas de ação para a internacionalização da língua portuguesa em 6 capítulos, num total de 70 itens e suas alíneas.
•    “VII Reunião de Ministros da Cultura, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”, Sintra, junho de 2010, com 8 considerandos e 10 decisões reafirmando, entre outras coisas, o Acordo Ortográfico como “um dos fundamentos da Comunidade”.
Fica-nos, porém, da leitura dessas declarações e resoluções, a impressão de que só se cuidou da planificação política e diplomática, e de que quase nada ficou resolvido quanto aos meios e agentes que deverão executar tal política linguística.
Por duas razões maiores:
A primeira delas é a de que se desconhece por completo nesses textos a existência da sociedade civil, desde os falantes da língua aos seus especialistas, suas instituições, desde as Academias às Universidades, Institutos, Escritores… com a agravante de se terem esquecido de que eles não são apenas executores, mas, também, em grande parte, decisores.
A segunda razão é a de que só está previsto um executante, e só para algumas tarefas específicas – o Instituto Internacional de Língua Portuguesa –, ao qual estão cometidas as mais vastas e variadas tarefas, desconhecendo-se nesses textos oficiais que, tal como o IILP está regulamentado, não terá qualquer possibilidade de funcionar com o mínimo de eficácia e competência, como adiante se mostrará.
Particularmente grave é o desconhecimento total, nesses textos, das Academias Portuguesa e Brasileira de Ciências e Letras, às quais compete, como aconteceu com a elaboração do Acordo Ortográfico, serem os instrumentos dos Governos para as questões da língua.
Assim dispõem os artigos 5.º e 6.º do Estatuto da Academia de Ciências de Lisboa, aprovados pelo Governo:
Artigo 5.º –  “A Academia é um órgão consultivo do Governo Português em matéria linguística”.
Artigo 6.º –  No que respeita à unidade e expansão da língua portuguesa, a Academia procura coordenar a sua ação com a Academia Brasileira de Letras e com as instituições culturais dos outros países de língua portuguesa e dos núcleos portugueses no estrangeiro.
§ único. “À Academia compete propor ao Governo ou a quaisquer Instituições Cientificas e Serviços Culturais as medidas que considerar convenientes para assegurar e promover a unidade e expansão do idioma português.”
1.3    Instituto Internacional da Língua Portuguesa – IILP
Criado em 1989 pelos chefes de Estado Lusófonos, ainda antes da criação da CPLP, ocorrida em 1986, sete anos depois, portanto, foi só em 2001 que teve estatutos aprovados.
Não foi, obviamente, benéfica esta demora de doze anos para existir, até porque eram grandes as esperanças postas na ação deste instituto, cujos estatutos ainda esperariam modificações dentro de outras mudanças da CPLP, em 2005, e também em Julho de 2009, pois foram modificados na “Declaração Ministerial da CPLP na Praia”, que determinou, no seu comunicado final, na resolução 19.ª, alínea L, a “Reestruturação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP)”. Ainda hoje continuamos à espera do seu funcionamento! É que, chegados a este ano de 2010, ainda o IILP não iniciou atividades, o que lhe tem acarretado grande descrédito, tanto quanto eram grandes as esperanças nele depositadas. Alguns o consideram um nado-morto.
Dele se espera que seja o grande instrumento executante da Geopolítica da língua. É preciso que a lógica geopolítica leve o IILP a autonomizar-se em relação à CPLP, embora, obviamente, dentro de um quadro genérico de princípios e objetivos traçados pela mesma CPLP. Esta autonomização do IILP é indispensável. Mas como poderá ela acontecer se o seu chamado “Conselho Cientifico”, apesar da sua louvável composição por membros de todos os países lusófonos, ter, por exemplo, um presidente não eleito pelos seus pares, dispondo de um mandato de apenas dois anos, em regime rotativo e por ordem alfabética, não estando sequer garantido que esses membros sejam entendidos em questões da língua. Será isto um Conselho Científico? Como poderá ele funcionar com eficiência e dignidade se, para além de algumas incumbências anteriores, tiver de executar, por imposição da recente Declaração de Brasília, nada menos de 9 grandes tarefas, algumas delas até Julho de 2011!
É urgente, por isso, que o Instituto comece a funcionar noutros moldes, pois inúmeras são as tarefas na área da política linguística portuguesa que se afiguram urgentes.
Não seria preferível que ele funcionasse como um instituto universitário ou um grande centro de investigação com projetos ambiciosos de médio e longo prazo? É que, sem prejuízo das negociações político-diplomáticas da internacionalização da língua nos grandes fóruns, são muitas e importantes as tarefas que o esperam em ordem ao uso e ao ensino da língua, como por exemplo: a elaboração dos acordos ortográficos, vocabulários, dicionários, etc., em ligação com as escolas, universidades e institutos de Linguística, o processamento de terminologias cientificas e técnicas, uma nomenclatura gramatical que obtenha o consenso de todos para que não se repita aquela infeliz iniciativa de neo-colonialismo linguístico da TLEBS (2004), como se ainda vivêssemos no centro do império a dar ordens à periferia, em vez de uma terminologia gramatical única para toda a Lusofonia. Como aconteceu neste ano de 2010, em Espanha, em que o Rei apresentou a toda a Comunicação Social a gramática única da língua espanhola, elaborada por todas as Academias, a espanhola e as hispano-americanas!
1.4 “Nobel” da Língua Portuguesa – Saramago – e outros prémios
É indiscutível que a atribuição, em 1998, do prémio “Nobel” à Língua Portuguesa/Saramago constituiu um reconhecimento mundial da língua de Camões prestigiada pelo romancista. Aliás, quase todos os comentadores põem em evidência esta dupla faceta do prémio. Assim, por exemplo, Manuel V. Montalbán, no El Pais (9 de Outubro de 1998) afirma que “ a notícia não é só o prémio dado a Saramago, mas a um escritor da língua portuguesa, apesar de Eça de Queiroz, de Torga, ou de Jorge Amado.”
E Lucianna Stegagnio Picchio, em La República (9 de Outubro de 1998): “o português José Saramago venceu pessoalmente, e de pleno direito, o “Nobel”. Mas sarou também uma ferida que existia há quase um século: de facto, o prémio nunca tinha sido conferido a um autor deste bloco linguístico de mais de duzentos milhões de habitantes, fosse ele português, brasileiro ou africano. E, no entanto, o universo lusófono orgulha-se de grandes tradições literárias, tanto em Portugal como no Brasil, e conta com uma nova e impetuosa tradição de escritores africanos de expressão portuguesa. Esperámo-lo um dia para o velho rapsodo Jorge Amado e para poetas de elite como João Cabral de Melo Neto. …”.
Nesta, como em outras opiniões, como a nossa, embora com elogio sincero a Saramago, pesa uma “má-consciência” de o prémio não ter sido atribuído a Jorge Amado que foi, em dúvida, quem mais difundiu no mundo a língua portuguesa e as culturas que nela se fazem. Mas os critérios do “Nobel”, a avaliar pelo comunicado da Academia Sueca são outros, os de apreciar e premiar a obra de um escritor, assim restringindo a amplitude do galardão. Quanto ao resto, apenas diz que “Saramago é português e vive nas ilhas Canárias.”
Ainda a propósito de prémios, adentro da Lusofonia, o prémio luso-brasileiro “Camões”, instituído em 1989, continua a evidenciar escritores e obras de mérito.
Durante esta década, foi atribuído este prémio, que é o mais alto galardão lusófono na área da literatura a três escritores portugueses, cinco brasileiros, um moçambicano, um angolano (Luandino Vieira que recusou) e um cabo-verdiano.
1.5 As Academias em hora lusófona
Embora o pensamento sobre a Lusofonia não tenha sido elaborado pelas Academias das Ciências e Portuguesa de História, pois ele mergulha nas conhecidas raízes e inspiração de Vieira, Silvio Romero, Pessoa, Agostinho da Silva e outras personalidades portuguesas, grande passo em frente foi dado por estas Academias a partir de 1998, ao decidirem convidar para seus sócios correspondentes personalidades africanas de países das nossas antigas colónias.
Assim se completou ao mais alto nível a “Pátria da Língua”, já também valorizada por múltiplas iniciativas de universidades, centros de investigação, institutos culturais, associações de professores, etc.
É que uma coisa são os intercâmbios e os interesses de vária ordem político-profissional e outra a criação e institucionalização de um projeto comum que tem por centro a promoção da língua portuguesa, ao mesmo tempo que integra línguas e valores próprios das outras nações e regiões que se identificam como lusófonas. Algo de novo, pois, surgiu no final da década de 90 quando a Academia de Ciências de Lisboa integrou como sócios correspondentes personalidades dos países africanos, a juntar aos sócios correspondentes brasileiros que há já largos anos a ela pertenciam.
E o mesmo aconteceu, também nessa data, com a Academia Portuguesa de História que adotou igual procedimento.
Assim, à Academia das Ciências de Lisboa já pertencem personalidades de todos os países africanos, esperando-se para breve a entrada de um representante de Timor. Assim, a “família lusófona” vai-se completando.
Aos académicos portugueses já se tinham juntado antes oito brasileiros para além de correspondentes estrangeiros.
Do mesmo modo, na Academia Portuguesa de História, aos sócios portugueses, de número e correspondentes, se juntam dez brasileiros e outros tantos africanos.
Quanto à Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897, tendo por primeiro presidente Machado de Assis, orgulha-se de ter tido entre os seus membros mais dedicados à nossa língua comum António Morais e Silva, tão celebrado pelo seu valioso Dicionário e por estudos diversos de Lexicologia e Lexicografia. Admite esta academia, para além dos seus quarenta membros, vinte membros estrangeiros (sócios correspondentes), sendo dez portugueses, e tendo-se já aberto aos africanos com a entrada do moçambicano Mia Couto.
Também recentemente se iniciou a prática de reuniões conjuntas das Academias brasileira e portuguesa, tendo-se realizado a última reunião em Setembro de 2010 debatendo a obra de Gilberto Freyre Casa Grande e Senzala.
Quanto aos países lusófonos africanos, já surgiu em 2009 a Academia das Ciências de Moçambique, esperando-se para breve a criação de outras dos restantes países.
1.6 Instituto Camões
Tem sido, desde há largos anos, o Instituto Camões (IAC, ICLP, ICALP) quer na órbita do Ministério da Educação, quer dos Negócios Estrangeiros, o grande executor da verdadeira geopolítica da língua, através da condução do ensino da língua e cultura portuguesas no estrangeiro.
E tem-no feito meritoriamente, em aperfeiçoamento contínuo, não só enviando para o estrangeiro professores, leitores, criando Cátedras, Centros de Língua, Centros Culturais, mas desdobrando-se em outras iniciativas complementares, pois que para além dessa ação “presencial”, tem recorrido à utilização das novas tecnologias para o ensino à distância, pela disponibilização de uma biblioteca digital, ao mesmo tempo que intervém na concretização dos Acordos Culturais e concede bolsas a estudantes estrangeiros.
Para além disso, atribui também o prémio luso-brasileiro “Camões” instituído em 1989, tendo ele sido já atribuído a dez portugueses, nove brasileiros, dois angolanos, um moçambicano e um cabo-verdiano.
Embora com implicações menores numa geopolítica da língua, neste tempo em que tudo mudou para a dimensão multicultural, não deve o Instituto manter a ideia e a acção próprias de um “Centro” de carácter neo-colonial. Há que considerar uma reconversão de certas iniciativas antes louváveis, mas que, agora, em tempo de coexistência “Centro/Periferia”, exigem uma concertação que leve a iniciativas conjuntas: no envio de professores e leitores, na edição conjunta de obras, não só sobre a língua portuguesa, mas também sobre as línguas e dialetos do que antes era periferia, etc.
1.7 Associação das Universidades da Língua Portuguesa - AULP
Fundada em 1986 na Cidade da Praia, Cabo-Verde, tem como objectivo intensificar os contactos entre as Universidades e outras instituições lusófonas pelo que admite várias categorias de membros.
Segundo os seus estatutos, deve “promover a apoiar as iniciativas que visem o desenvolvimento da língua portuguesa (…), promover projectos de investigação científica (…), incrementar o intercâmbio entre docentes, investigadores e estudantes (…), fazer circular informação científica, técnica, pedagógica e cultural (…)”.
Tem realizado vários encontros nos diversos países lusófonos, devendo realizar-se o de 2010 em Macau.
Atribui o Prémio “Fernão Mendes Pinto”.
Em nosso entender (participamos em 1986 na criação da AULP), o intercâmbio entre as Universidades deve ser mais ambicioso, sobretudo na informação dos projectos colectivos ligados à criação de áreas especializadas, na criação de um volume informativo de todas as Universidades e cursos do espaço lusófono e elaborando, neste tempo em que a tecnologia, em tantos casos, em vez de iluminar, cega, promover aprofundada reflexão sobre questões como o Humanismo, a Lusofonia, os valores comuns, etc., etc.
1.8 União das Cidades Capitais Luso-Afro-Asiáticas – UCCLA
Nos seus Estatutos, revistos em Maputo em 2008, esta União “tem por objectivo principal fomentar o entendimento e a cooperação entre os seus municípios – membros – pelo intercâmbio cultural, científico e técnico e pela criação de oportunidades económicas, sociais e conviviais, tendo em vista o progresso e bem-estar dos seus habitantes”.
Não referem os Estatutos qualquer objectivo relacionado com a língua, insistindo antes no cuidado em “promover o desenvolvimento de iniciativas económicas, comerciais e industriais pelas empresas com as cidades-membro.” Contudo, indirectamente, contribuem para o reforço da língua portuguesa nas instituições-membro e respetivos países.
2.    Cooperação para a Lusofonia
2.1 Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento - IPAD
É por este Instituto que é coordenada a política de cooperação oficial instrumento de política externa, contemplando, preferencialmente, os países lusófonos, sem deixar de estar muito empenhado na cooperação internacional de Estado, no sentido da concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) das Nações Unidas.
De notar, em especial, o envio de cooperantes para os países lusófonos. Foram eles, segundo dados publicados a três de Fevereiro de 2010, duzentos e trinta e seis.
2.2. Fundação Calouste Gulbenkian
Pela sua relevante ação de apoio social, especialmente nos meios desfavorecidos lusófonos, e grande prestígio internacional, merece aFundação Gulbenkian que a sua presença seja evidenciada pela atividade que se reparte por concessões de bolsas, subsídios a financiamento de projectos externos de entidades diversas e, ainda, outros projetos e programas próprios. 
Na área educativa, a missão do Serviço de Educação e Bolsas promove, em especial, a educação, completando-a com um plano de edições de referência, até porque sempre deu prioridade ao fomento da leitura. Nesta área, é de relevar o papel desempenhado pelas Bibliotecas Itinerantes, dando sempre especial importância à expansão e aperfeiçoamento do ensino da nossa língua.
Louváveis também os programas de desenvolvimento nos países africanos lusófonos, não só na questão da língua, mas também na divulgação do património cultural.
2.3    Fundação Engenheiro António de Almeida
Desde 1969 que esta Fundação sediada no Porto se preocupa especialmente em apoiar os serviços de edição e cultura, dando especial atenção aos países de língua portuguesa de que é testemunho, por exemplo, o conjunto dos vários volumes de entrevistas de Michel Laban a escritores africanos.
2.4    Fundação Evangelização e Culturas – FEC
A somar à cooperação realizada por vários Ministérios e Fundações, também várias instituições da Igreja Católica se têm dedicado a esta forma de solidariedade. Fazem-no por razões religiosas e históricas, de uma solidariedade humana de séculos.
Pois, desde a primeira hora, os missionários acompanharam os navegadores e, com o ensino da doutrina, veicularam a língua portuguesa em inúmeras cartilhas e gramáticas bilingues ou traduzidas, tanto na África como na Ásia ou nas Américas. Embora essa difusão da Lusofonia seja um tanto indireta, é de uma eficácia especial por contactar diretamente com milhões de pessoas, nos atos litúrgicos e fora.
Com efeito, a grande maioria de Cartilhas, Dicionários e Gramáticas da Língua Portuguesa e outras línguas africanas, da Índia, da China, do Japão, etc., propagadas e usadas por notável rede de escolas e colégios, tem sido ao longo dos séculos a grande escola da difusão e intercâmbio da língua portuguesa.
A de maior importância é, sem dúvida, a FEC. Criada em 1989, esta ONGD da Igreja Católica Portuguesa, para além das tarefas de evangelização, dedica-se intensamente ao trabalho cultural e assistencial nos países lusófonos. Como área de actividade privilegiada, os voluntários da FEC, desde o ano 2000, ocupam-se sobretudo de promover a saúde e a educação.
Este tipo de voluntariado tem como característica própria uma grande relação de proximidade com as populações.
Neste ano de 2010, partiram para missões de cooperação e desenvolvimento trezentos e sessenta voluntários. Para além desta fundação, outras organizações da Igreja existem, fomentando a Lusofonia, tais como os “Encontros dos Bispos Lusófonos”, desde 1996, a “Associação Leigos para o Desenvolvimento (LD)”, a “Rede Europeia ONGD Jesuítas”, etc.
2.5    Associação Leigos para o Desenvolvimento – LD
A Associação Leigos para o Desenvolvimento (LD) da rede europeia ONGD jesuítas, cuja primeira missão foi em 1968, agrupa jovens voluntários que vão também para os países lusófonos por um ou mais anos trabalhar nas áreas de educação, saúde, promoção social, pastoral. No ano 2008/2009, eram vinte e nove os voluntários distribuídos por sete comunidades.
2.6    Encontros dos Bispos Lusófonos
Desde 1996, que os “Bispos Delegados da Igreja Católica dos Países Lusófonos” se começaram a reunir, sendo nessa data a reunião feita em Fátima, e as seguintes, nas várias capitais lusófonas. A essa primeira reunião se seguiram as de 1999, 2001, 2003, 2004, 2005, 2006, 2008, 2010.
A agenda das reuniões reparte-se por questões de evangelização, problemas de caráter social, com especial atenção ao desenvolvimento, sendo habitualmente convidados para exporem as diversas matérias em discussão, especialistas conceituados.
Assim, por exemplo, no sétimo encontro que celebrava os dez anos dessas reuniões foram debatidos, entre outros, os seguintes temas: evangelização, diálogo inter-religioso, educação, saúde, justiça social, voluntariado, fluxos migratórios, tráfico de pessoas, droga, jogo, tendo-se feito propostas concretas para as populações das suas comunidades.
Também se avaliou a acção do programa de rádio “Igreja Lusófona” que funciona há sete anos e já emitiu trezentos e cinquenta programas.
3.    Eventos de futuro?
3.1 Dia da Língua Portuguesa (5 de Maio)
Algumas iniciativas têm sido recentemente tomadas no âmbito da Lusofonia de modo a valorizar determinados factos ou personalidades.
Assim, de entre elas, a da importância da Língua Portuguesa, tornada propriedade de todos os países e regiões lusófonas, a celebrar na data de 5 de Maio, proposta pelos Ministros da CPLP na sua Reunião em Cabo-Verde, Praia, a 5 de Julho de 2009, deve merecer o melhor acolhimento por parte de todos.
Pouco importa a data, mesmo que a ONU tenha preferido outro dia, 12 de Maio, para a mesma celebração. Outros, porém, gostavam mais do Dia de Camões…
Não estamos de acordo! É que, estando nós em “tempo lusófono”, a celebração da língua de todos não nos parece que deva estar ligada a qualquer facto próprio só de um dos oito países. Até porque a celebração da língua comum, tal como o Acordo Ortográfico, envolve glorificação e respeito pelas diversas variantes linguísticas já existentes, e pelas diversas culturas de que elas são expressão.
Com este espírito ecuménico, seria bom que a data anódina de 5 de Maio fizesse caminho, festejando a diversidade e complementaridade cultural, veiculada por uma forma de expressão comum.
3.2 Jogos Olímpicos da Lusofonia
Reproduzindo o modelo universal das Olimpíadas, quer na sua amplitude total ou parcial, também os “Jogos da Lusofonia” pretendem o mesmo objetivo de fraternidade e cultivo das diversas disciplinas da educação física e dos desportos que, segundo o velho lema, valorizam a mente e o corpo.
À imitação dos Jogos da Commonwealth e dos Jogos da Francofonia, já foram realizadas duas edições de Jogos Olímpicos Lusófonos por iniciativa da ACOLOP (Associação dos Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa).
Os primeiros jogos realizaram-se em Macau, em 2006; os segundos em Portugal, em 2009, prevendo-se que os próximos o sejam pela Índia, através de Goa, em 2013.
Têm sido estes jogos, acompanhados de Jornadas Culturais, significando esta iniciativa que não basta cultivar o músculo mas também a inteligência.
Num tempo de multiculturalismo em que as diversas culturas se misturam no mesmo país, às vezes com grande dificuldade de diálogo, o companheirismo e a solidariedade em competição saudável concorrem, indubitavelmente, para uma maior aproximação entre aqueles que já estão próximos pela língua que falam.
Outras iniciativas têm sido tomadas, ou surgirão no futuro, mas, de entre elas, estas nos parecem muito significativas do espírito desta década.

* Letras com Vida, do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias (Clepul), da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, n.º 2, do segundo semestre de 2011. :: 19/05/2011

Sobre o Autor

**Professor catedrático (jubilado) da Faculdade de Letras de Lisboa, membro da Academia das Ciências de Lisboa.

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