quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

eduardo lourenço

in diálogos lusófonos


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De como um intelectual pode ser, inclusivamente, uma simpatia

Apologia de Eduardo Lourenço todos os dias

Todos conhecemos intelectuais ou pseudo-intelectuais portugueses cheios de si próprios, de semblante carregado e cara de poucos amigos, olhar distante e poucas palavras para com quem considerem abaixo do seu notável estatuto. Indivíduos que marcam o convívio com terceiros menos prezados com uma expressão notória de tédio, impaciência ou mesmo aborrecimento.

Jorge Barreto Xavier
11:47 Quarta, 7 de Dezembro de 2011
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Rui Mário Gonçalves, Jorge Barreto Xavier, Eduardo Lourenço

Lamego, 2009
Rui Mário Gonçalves, Jorge Barreto Xavier, Eduardo Lourenço Lamego, 2009
Apologia de Eduardo Lourenço todos os dias
 
O lançamento do primeiro volume das Obras Completas de Eduardo Lourenço, no passado dia 02 de Dezembro é o motivo próximo para a escrita deste texto.
Não sou um exegeta da vasta obra do autor. Fui e sou simples e dedicado (nunca obsessivo) leitor. Nunca nele vi um exclusivo oráculo, mas uma porta aberta para as primícias da procura intelectual e do conhecimento.  Sem procura não há caminho, e qualquer caminho implica a correlativa vontade de o encontrar. Se porventura algum caminho se quiser percorrer, entre as dúvidas e as certezas sobre o Passado, o Presente e o Futuro, Eduardo Lourenço é bom companheiro.
 
A minha apologia de Eduardo Lourenço não remete para os seus textos, para os documentos ou referências bibliográficas do autor. Quero, simplesmente, falar do homem, no contacto quotidiano. Quero elogiar esse homem na sua vida de todos os dias, para lá da escrita, ou apesar da escrita ou com a escrita.
 
O elogio é uma associação possível à apologia, a minha apologia é também elogiosa ( e não o contrário - um elogio apologético, pois que, se de alguma forma todos os elogios têm uma componente apologética, nem todas as apologias são um elogio).
 
Quando estava a preparar a 1ª Mostra Portuguesa de Artes e Ideias, em 1986, pensei em Eduardo Lourenço para integrar o júri d Ensaio. Tinha 20 anos e estava a começar o Clube Português de Artes e Ideias. Já não me recordo da maneira através da qual cheguei à fala com Eduardo Lourenço. Mas cheguei. E ele aceitou ser júri. Cumpriu a sua missão com toda a simpatia e diligência, tratou-me com o mesmo registo de educação, sociabilidade e respeito que ainda hoje mantém.
 
Desde essa data, ao longo dos anos, pelas mais diversas razões cruzei-me com Eduardo Lourenço. Se necessário, ligava-lhe para Vence. Se lhe pedia para falarmos em Lisboa, ele arranjava sempre maneira de marcar um encontro.
 
Conversou sempre comigo com cordialidade, em diálogos de troca de pontos de vista e não simples banalidades.
 
A minha apologia é a deste modelo de intelectual. Evidentemente, o tempo que ao longo dos anos Eduardo Lourenço me concedeu,  seria, em abstracto, um tempo precioso para a sua escrita ou elaboração mental, ou descanso. Eu não fui nunca próximo de Eduardo Lourenço (a fotografia que ilustra este texto é só uma partilha do orgulho de estar a seu lado). Tal como a mim, Eduardo Lourenço acolheu milhares de pessoas que o solicitavam, sempre com afabilidade. A maior parte das vezes, aceitou os convites que essas pessoas lhe faziam e que o obrigavam a esforço físico e mental, amiúde em domínios diferentes dos seus interesses prioritários.
 
Eduardo Lourenço nunca falou comigo por gostar especialmente de mim ou ver em mim um interlocutor privilegiado. Falou comigo porque sempre que solicitado foi gentil. A mesma dádiva, concedeu-a a tantas outras pessoas. Todos nós nos sentimos melhores, mais importantes, por este convívio.
 
É essa atitude que venho defender. O intelectual não tem de ser uma espécie de semideus retirado. De arrogante rude. De pomposo professor. Tem um intelectual deveres éticos? Como todos, também os intelectuais os têm. A questão que se pode colocar sobre os seus deveres levanta uma dificuldade: todos nós temos, socialmente, os mesmos deveres?
 
Certamente há deveres sociais que são comuns a todos os cidadãos: urbanidade, respeito mútuo, defesa do bem comum. Mas haverá cidadãos onde estes deveres são "estendidos"?
 
Os deveres de urbanidade de uma personalidade pública e de outra sem essa característica são necessariamente diferentes por as solicitações a que são submetidas serem diferentes. Poderá dizer-se que um intelectual, mesmo enquanto figura pública, não tem um dever ético de resposta a todos os que o interpelam, pois a maior parte destes não é capaz de resistir a um diálogo com ele. E por isso, estar acessível enquanto intelectual será um paradoxo, pois corresponderá a uma perda de tempo para o próprio e eventualmente para quem o interpela, pois não perceberá o seu discurso.
 
Eduardo Lourenço demonstra o contrário. Com uma produção cultural riquíssima, teve sempre tempo para os outros. Os "outros", foram sempre muito diversificados: universitários, políticos, editores, autoridades e instituições de grande pequena ou nenhuma relevância, admiradores ou simples curiosos. A todos acolheu com abertura e boa disposição.
 
Esta atitude é uma afirmação política evidente, mostrando que para lá da grande capacidade de produção intelectual escrita, Eduardo Lourenço sempre se afirmou como cidadão exemplar, disponível para a cidade, ou seja, disponível para a comunidade, para os outros, para nós, e, extraordinário!, para cada um de nós.
 
Podemos adivinhar os encargos adicionais de tempo, desgaste físico, mental e emocional que isso lhe provocou. Eduardo Lourenço aceitou esse custo para cumprir a sua presença quotidiana.
 
Muito obrigado!, e vida longa a Eduardo Lourenço.

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