terça-feira, 15 de novembro de 2011

SOCIOLINGUÍSTICA E CIENTIFICIDADE NA GALIZA”


1)   ÂNGELO CRISTÓVÃO

 – ASSOCIAÇÃO DE AMIZADE GALIZA – PORTUGAL, GALIZA

ÂNGELO CRISTÓVÃO nasceu em Santiago de Compostela em 1965. Licenciado em Psicologia pela Universidade de Santiago (1988), especializou-se em Psicologia Social. Obteve os melhores resultados académicos na matéria de “Métodos e Técnicas de investigação nas Ciências Sociais”.
Empresário. Diretor dos Armazéns Eládio, s.a. desde 1990. Em 1995 fundou a sua própria empresa: Agrideco, sociedade limitada com sede social em Santiago de Compostela com atividade em toda a Galiza. A atividade empresarial não o impede desenvolver um vivo interesse pela investigação em temas e língua e cultura nacional:
Em 1987, sendo estudante, participa no III Congresso Espanhol de Psicologia Social (Valência), com a comunicação: “Uma escala de atitudes perante o uso da língua”, resultado de um projeto de investigação desenvolvido na Faculdade de Psicologia da Universidade de Santiago. Publicada posteriormente na revista Agália. No mesmo ano de 1987 ajuda a constituir um grupo de investigação em sociolinguística, sendo o seu secretário até 1990. Fruto deste trabalho são diversos artigos publicados em revistas e congressos internacionais.
Em 1990 publica na revista Noves de Sociolinguística (Barcelona, Institut de Sociolinguística Catalana, da Generalitat de Catalunha) uma “Bibliografia de sociolinguística lusófona”, posteriormente editada também em Braga na revista lusófona Temas do Ensino de Linguística e Sociolinguística.
Atualmente exerce a função de secretário da Associação de Amizade Galiza-Portugal, presidida pelo Professor Doutor Xavier Vilhar Trilho, da Universidade de Santiago de Compostela. É também membro de outras associações culturais como as Irmandades da Fala da Galiza e Portugal, com sedes em Viana do Castelo e Ponte Vedra.
Artigos e comunicações publicadas:
(1988a): "Identidade linguística na Galiza espanhola", in Nós, nº. 16-20, pp. 139-146.
(1988b): "Uma escala de atitudes perante o uso da língua", in Agália, nº. 14 (verão), pp. 157-177.
(1988c): "Considerações sobre as atitudes face à língua na Galiza", in Temas do Ensino de Linguística e Sociolinguística, vol. IV-V, nº. 14-20, pp. 123-127.
(1989): "Aspetos sociolinguísticos da problemática linguística e nacional na Galiza Espanhola", in Atas do II Congresso da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, Ourense, pp. 237-254.
(1990): "Bibliografia de Sociolinguística lusófona", in Temas do Ensino de Linguística e Sociolinguística, vol. VI, nº. 21-26, pp. 71-99; in Noves de Sociolingüística, nº. 9, Barcelona, pp. 3-33.
(1992): "Language Planning: Atitudes", in Atas I Congreso de Planificación Lingüística, Santiago de Compostela, pp. 383-400.
(1994): “Medição de variáveis: competência e uso linguístico”, in Cadernos do Instituto de Estudos Luso-Galaicos "Manuel Rodrigues Lapa-Ricardo Carvalho Calero". Associação de Amizade Galiza-Portugal, Série "Investigação". vol. I, Comunicações suprimidas, nº. 2.
(2003): “Paradoxos da Galiza”, Semanário Transmontano, 3 de julho.

RESUMO
Na revisão bibliográfica da sociolinguística galega desenvolvida nos últimos 25 anos temos observado que, contrariamente ao esperável em função do aparelho crítico e metodológico, herdado principalmente da sociologia mas também da crítica literária, não se tem iniciado a crítica teórica, epistemológica.
As bibliografias publicadas até ao momento têm sido recompilações ou repertórios ordenados mas não comentados nem analisados. Para o desenvolvimento desta disciplina propõe-se adotar critérios semelhantes aos das ciências sociais, nomeadamente a sociologia. A procura do progresso da sociolinguística deve atender primeiramente a um adequado planeamento do objeto do estudo. Em segundo lugar, a adoção de métodos e técnicas apropriadas. Em terceiro lugar, a procura de uma formalização, tanto no planeamento dos problemas e das investigações quanto no desenvolvimento e apresentação pública dos trabalhos.
Conill assinala, no seu trabalho "Dizer o sentido” dois paradigmas ou teorias gerais da sociolinguística, em que se inserem duas conceções divergentes e aparentemente contrapostas: o modelo de conflito linguístico proveniente da sociolinguística catalã (Aracil) que serve para compreender e descrever a situação das comunidades linguísticas menorizadas, e o modelo da diglossia (Ferguson), correspondente às línguas normalizadas. Para compreender a situação sociolinguística da Galiza é precisa uma correta aplicação de ambos os modelos.

TEMA 2.3 O PORTUGUÊS NO ESPAÇO LUSÓFONO
ÂNGELO CRISTÓVÃO ANGUEIRA
ASSOCIAÇÃO DE AMIZADE GALIZA-PORTUGAL
SOCIOLINGÜÍSTICA E CIENTIFICIDADE NA GALIZA

1. PLANTEJAMENTO. PROBLEMÁTICA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

O adjetivo “científico” emprega-se na sociedade atual como sinónimo de rigor e verdade, até ao ponto de nas conversas informais a “cientificidade” de algumas opiniões ser empregada como argumento último, definitivo, indiscutido e indiscutível. Tal é o prestígio social da ciência, que a cientificidade se tem convertido em qualidade desejada.
Conforme a ASTI VERA (1968) (1), a classificação das ciências depende da natureza de seus objetos, métodos e critérios de verdade. A sociolinguística, a sociologia, e a linguística fazem parte das ciências do homem. Diferenciam-se das ciências fáticas pelos objetos de estudo, pela perspetiva de que se consideram estes objetos, e pelos métodos de investigação e verificação. Quanto a este último aspeto, a problemática da objetividade nas ciências sociais pode ser exemplificada no seguinte parágrafo do mesmo autor:
“O problema crucial destas ciências do homem pode ser reduzido ao que Stephan Strasser chamou o dilema antropológico: como pode uma pessoa fazer do homem, como indivíduo, um objeto de investigação empírica? O psicólogo que busca a caraterização da conduta humana configura, ele próprio, certo comportamento, e o sociólogo que intenta descobrir as caraterísticas dos grupos humanos não está à margem das situações sociais que quer investigar objetivamente.” (pág. 76).
Estas considerações prévias planeiam minimamente um problema que muitos outros autores têm encarado. A objetividade é uma das exigências principais da cientificidade. Resulta pertinente a este respeito o clássico de MYRDAL (1976): A objetividade nas ciências sociais (2). Este livro provocou várias décadas de controvérsia e estudo, chegando-se a uma conclusão comummente aceite. Dado que, conforme a ASTI VERA, “A atitude científica tende a garantir a dualidade entre o observador e o observado, assegurando a exterioridade do sujeito com relação ao objeto investigado”, nas ciências sociais deve reconhecer-se e explicitar-se os preconceitos de que se parte, antes que ocultá-los para, assim, poder reduzir o enviesamento que estes podem produzir.
Mas talvez o maior dos problemas planeados de sempre nas ciências sociais seja, ainda, o da causalidade. Isto é, a demonstração de tal causa ser origem de tal efeito concreto, repetidamente nas mesmas condições. Esta é a maior dificuldade para equiparar as ciências sociais às fáticas. A construção de teorias complexas, a integrarem a multiplicidade de fatores implicados no comportamento social é um objetivo necessário.

2. ALGUMAS CARÊNCIAS DA SOCIOLINGUÍSTICA GALEGA
A sociolinguística, que pode ser perspetivada como ciência autónoma ou como disciplina a fazer parte de outra ciência; da Linguística, da Sociologia ou de ambas, diferencia-se da primeira pelo enfoque e o objeto de estudo, planeando a língua como fato social. Permanece mais próxima da Sociologia, diferenciando-se desta pelo método de conhecimento, não pelas técnicas utilizadas (3).
Na sociolinguística galega, contrariamente ao esperável em função do aparelho crítico e metodológico, herdado principalmente da sociologia mas também da crítica literária, não se tem iniciado a crítica teórica, epistemológica. As bibliografias publicadas (3) até ao momento têm sido recopilações ou repertórios ordenados mas não comentados nem analisados. Não temos observado textos em que se tenha realizado qualquer esforço no sentido de tratar a sociolinguística como objeto de análise, em função do seu conteúdo. Mais longe fica a possibilidade da realização de uma meta-análise, técnica ou conjunto de técnicas empregadas em disciplinas científicas a empregarem conceitos operacionalizados (4).
                COOPER (1979) realiza umas apropriadas considerações sobre as linhas de progresso teórico nas disciplinas científicas:
“Theoretical progress within a scientific discipline is intimately tied to two other kinds of advancement, one relating to methodology and the other relating to the volume of research being produced. Methodologically, advancement can occur in either research design or analysis, but both advancements typically involve the development of increasingly precise measurement instruments. In the case of design refinements, precision of measurements permits the observation of events that were inaccessible before. An example of this kind of advancement would be, say, the introduction of videotape to the study of nonverbal behaviour. Analysis refinements, on the other hand, allow for the more exact description of observed phenomena”.

                Julgo que as carências da sociolinguística galega estão determinadas pelas seguintes questões:

a) A juventude destes estudos (relativamente ao caso da Galiza). Talvez possa tomar-se como texto inicial o Conflito Linguístico e Ideoloxía en Galicia, de Francisco Rodrigues (1978), hoje ultrapassado por estudos mais rigorosos.
b) A dependência de formalizações teóricas provenientes da sociolinguística catalã e outras, a empregarem modelos correspondentes a línguas menorizadas, com que os autores têm suprido as próprias carências. Basta ver as referências bibliográficas.
c) O número reduzido, quanto a textos e variedade de conteúdos, e o facto de haver poucos investigadores dedicados regularmente a esses temas. (Não tanto referido a textos esporádicos e de escassa transcendência, cujo número supera amplamente os verdadeiramente aproveitáveis).
d) O enfoque geralmente “localista”, contrariamente à perspetiva universalizadora que deve caraterizar qualquer investigação científica; isto é, partindo do caso concreto, nacional, procurar a realização de teorizações (explicações) universalmente válidas;
e) A escassa formalização dos textos, junto com a escassa difusão de umas normas técnicas comummente aceites (1) o que dificulta mesmo a sua publicação noutros países.
f) A escassa formação investigadora de aqueles que têm dedicado algum tempo e esforço a refletir sobre a língua como facto social. Dito por outras palavras: a deformação académica, resultado da formação filológica da quase totalidade dos autores.
g) A prática inexistência de publicações específicas, o que produz uma dispersão do conteúdo e dificulta a sua leitura e consideração. Quase todos os trabalhos recenseados têm aparecido em atas de congressos genéricos sobre língua ou em revistas com conteúdos muito diversos. Correlativo desta carência é o escasso nível de coordenação entre os investigadores (a exceção pode ser a “Revista Estudios de Sociolinguística”, talvez).
h) O escasso ou nulo reconhecimento académico. Apenas aparece nos planos de estudo universitários; menos ainda noutros planos institucionais. Constata-se em geral uma grande fragilidade e mesmo uma irregularidade na maioria dos autores, excetuando alguns casos muito salientáveis.
i) A utilização ideológica partidarista, muitas vezes isenta do mínimo rigor necessário, realizada habitualmente por determinados grupos políticos, o que tem produzido a sua associação com a falta de objetividade.
j) A utilidade social percebida pelo sociolinguista marca previamente os objetivos. Contudo, além dos preconceitos e ideologia do investigador, ninguém duvida que existe uma realidade sociolinguística. A objetividade e a universalidade são os reptos mais difíceis.
No nosso entender, a procura do progresso da sociolinguística deve atender primeiramente a um adequado planeamento do objeto de estudo. Em segundo lugar, a adoção de métodos e técnicas apropriadas. Em terceiro lugar, a procura de uma formalização, tanto no planeamento dos problemas e das investigações quanto no desenvolvimento e apresentação pública dos trabalhos. Com excessiva frequência os textos publicados ficam fora de consideração no âmbito dos cientistas por não se adequarem ao esquema comummente aceite para as ciências sociais. Muitos aparecem como coleções de opiniões pessoais sem qualquer sistematização, sem apoio em dados, sem referências bibliográficas, etc. Podemos (e devemos) criticar as ideias e métodos empregados nesses textos mas, assim, resulta difícil tirar algum proveito para a ciência.

Para levarmos a termo esta tarefa contamos com alguns elementos básicos, como índices e repertórios bibliográficos (4) mais ou menos completos, o que constitui um primeiro passo. Porém nenhum deles inclui uma adequada classificação e crítica dos textos. Eis um trabalho possível, um primeiro passo numa linha de trabalho produtiva.
A via formalizadora que propomos exige o emprego de uma linguagem elaborada, com conceitos operacionalizáveis (medíveis quantitativamente quanto possível). A formalização do conhecimento, observável nos textos representativos de uma disciplina, revela o grau de madurez científica. Esta formalização concretiza-se no emprego de uma linguagem comummente aceite, no emprego de termos operacionalmente definidos e, no mínimo, relacionados entre si por meio de um modelo ou teoria explicativa.
Os modelos são uma abstração, uma simplificação de uma realidade muito complexa. O seu valor é especialmente pedagógico, devem servir como interpretação e/ou explicação prática da teoria. A consistência de uma área de conhecimento depende destes aspetos habitualmente preteridos ou subestimados. Deverá procurar-se um modelo explicativo onde não pode estar ausente a causalidade. Um modelo totalmente formal seria representado por um modelo matemático, muito difícil na sociolinguística por intervirem multidão de variáveis cuja medição objetiva resulta quase impossível. Os esforços iniciais deverão dirigir-se antes à capacidade explicativa do que a uma formalização teórica excessiva.
A procura de explicações universais deve guiar a elaboração teórica. Enquanto as explicações à situação da língua da Galiza não servirem para ser aplicadas a qualquer outra situação semelhante de outra língua qualquer, estaremos incumprindo a principal exigência do conhecimento científico.
Mais uma linha de trabalho consiste na formação investigadora dos interessados, mas não pode deixar-se à iniciativa pessoal a busca, organização e difusão do conhecimento. Estas carências levam a situações de impossibilidade de publicação em revistas científicas, ou a uma minusvaloração dos textos.
Como exemplo destas carências, uma crítica possível a FAGIM (2000), quem realizou meritório esforço por compilar argumentos sociolinguísticos, é a falta de sistematicidade no tratamento de diversos temas, como também a ausência de referências bibliográficas imprescindíveis nalguns casos, resultando numa imagem de parcialidade ou partidarismo. A renúncia expressa ao academicismo e a opção por uma apresentação descontraída e didática, não pode justificar a redução do rigor na análise, na apresentação de factos ou processos históricos, ou na explicação dos diferentes posicionamentos respeito do galego na atualidade.
No referente ao projeto de construção de uma sociolinguística galega, enquanto os interessados não optarem por um esquema de trabalho, o que entendemos ser prévio, não poderá alcançar-se meta alguma, no sentido de uma aproximação à verdade. Esta, como qualquer outra tarefa, requer uma conceção prévia do problema (situação de partida e explicações adequadas), o emprego de uns instrumentos válidos, e uma mínima organização e coordenação.

3. O SOCIOLINGUISTA NA GALIZA
Realmente, um tipo de sociolinguística produzida na Galiza, identificado principalmente por ser redigido em língua portuguesa e ter desenvolvido uma análise pormenorizada do discurso ”institucional” da língua da Galiza, tem obrigado, como diz ARACIL (1983, p.68), a “revisar os fundamentos científicos e sociais da sua profissão”.
Existe outro tipo de sociolinguística que nada esclarece e nada explica, mas fica bem perante as autoridades (in)competentes. Mas a sociolinguística séria, redigida principalmente em língua portuguesa, é claro que não comparte quase nada em comum a filologia institucional galega. Estão nos antípodes. Esta faz parte da ordem social estabelecida. Pode dar-se ao luxo de fazer uma elaboração elegante e desproblematizada dos textos. O sociolinguista lusófono, por contra, percebe os efeitos do que ARACIL (p.72) explica como double bind (dupla ligação): “damned if you do, damned if you don’t”. Esta “situação esquizofrenizante“ tem produzido situações pessoalmente difíceis. A saída que Aracil propõe é a seguinte:
 “... l’esforç sobrehumà solitari no és mai suficient. Em sembla evident que, en una situació “anormal” -que vol dir una situació molt complicada- la clarificació efectiva exigeix un esforç collectiu. És l’atenció, la imaginació i la reflexió de moltes persones –i la comunicació entre elles, naturalment- que ha de crear aquell sentit que el treball solitari no pot probar mai. Penseu que això és en realitat l’únic recurs efectiu que una societat pot mobilitzar per superar la confusió”. Veja-se também as explicações da pág.108.

DOIS MODELOS DE SOCIOLINGUÍSTICA
Outra das linhas de trabalho que deverá ser planejada é a procura de uma teoria geral ou teorias explicativas parciais, esquemas capazes de compreender universalmente a maior parte dos casos ocorridos repetitivamente, a ser guia de hipóteses (existem algumas boas aproximações) e alvo de comprovações contínuas. Conill assinala, no seu trabalho “Dizer o sentido” dois paradigmas ou teorias gerais da sociolinguística, em que se inserem conceções divergentes e talvez contrapostas:
a) A araciliana do conflito linguístico, nascida do artigo «Conflit linguistique et normalisation linguistique dans l’Europe nouvelle» [que] supõe em certo sentido uma revisão das questões plantejadas por «Comunidad nacional, comunidad supranacional», mas agora analisadas de uma perspetiva meramente sociolinguística e com um refinamento teórico muito superior”.
O modelo desenvolve conceitos novos e inversamente relacionados. Explica-as Conill, sucintamente:
“Tal planeamento equivale — mesmo se Aracil não o disse de forma explícita— a considerar o sistema linguístico como um sistema aberto, sempre em equilíbrio precário por causa das coerções contraditórias procedentes do meio ambiente social. Conforme aos princípios da cibernética da época (Bertalanffy, 1968), caberia levar na linha de conta, também, as duas possibilidades de resposta sistémica a estas coerções: por um lado, a retroalimentação [feedback] negativa (= normalização linguística), responsável pelos comportamentos «propositivos» ou autorregulados; e por outra, a retroalimentação positiva (= substituição linguística), referida aos processos autocatalíticos ou de crescimento do sistema. No primeiro caso, podemos afirmar que este atua no sentido de reduzir a entropia interna. No segundo, por contra, a entropia sofre um acrescentamento e todo o sistema se encaminha para a sua dissolução. O conflito, então, consistirá no stresse provocado pelas disfunções do sistema linguístico respeito dos reptos procedentes do próprio entorno”.
b) A fergusoniana da diglossia, sobre a qual Conill faz a seguinte apreciação:
“o que resulta evidente neste caso é a distância existente entre o modelo araciliano e a diglossia, tanto no referente à versão fergusoniana original do conceito quanto à taxonomia posterior de Joshua A. Fishman, onde aparece em combinação com o bilinguismo. Em muitos sentidos, trata-se de planejamentos opostos. O modelo conflitual de Aracil pretende dar conta de um processo dinâmico, que tem pouca relação com o estatismo caraterístico da diglossia (Aracil, 1978c). Durante toda uma época, estas divergências vão ficar ocultas em grande parte —e semelha que os mais ineptos ainda não o perceberam— devido ao facto de o ensaio de Aracil ter sido de difícil acesso, contrariamente à publicidade de que desfrutou Conflicte lingüístic valencià (1969) de Rafael Lluís Ninyoles, obra interessante por muitos conceitos mas na qual misturava de forma bastante ineficaz a noção de conflito linguístico com a versão fishmaniana da diglossia”.
“Em qualquer caso, há indícios de uma clara perceção por parte de Aracil dos perigos derivados do seu planeamento inicial. De facto, uma da máximas que lhe agrada repetir de há anos é que, «se a língua é algo, as pessoas não são ninguém» — quer dizer, a personificação da língua supõe a despersonalização (= reificação) correlativa da gente que a fala. De ter continuado por este caminho, o seu labor teórico teria corrido o risco de se hipotecar excessivamente com um certo funcionalismo estrutural, o que poderia ter degenerado numa espécie de «sociolinguística sem falantes». No nosso entender, contudo, as deficiências aduzidas não justificam uma renúncia definitiva à noção de conflito linguístico nem ao planeamento cibernético original. Decanto-me por acreditar, por contra, que a opção mais produtiva consistiria — contrariamente às revisões de costume, que se limitam a (re)citar o conceito sem mudanças ou a discuti-lo com maior ou menor acerto (Boyer, 1997)— a sofisticar o planeamento araciliano com aportações posteriores procedentes da sociologia sistémica (Buckley, 1967; Luhmann, 1996), a ecologia (Mackey, 1994) ou a teoria de catástrofes (Thom, 1972, 1980) —por citar apenas alguns aparelhos teóricos de indiscutível utilidade”.

Mas esta estaticidade descrita por Conill está em contradição com a evidência de, na Galiza, os planeamentos a favor da diglossia entre as falas galegas e o português padrão ser o modelo proposto pelos defensores da dignidade linguística. O facto de planear a necessidade da diglossia produz uma revolução na forma de conceber a língua e na relação entre os utentes e o objeto-língua. O modelo sociolinguístico da diglossia é, em realidade, o modelo estável das línguas normalizadas. Seria mais adequado afirmar que o modelo de conflito linguístico serve para compreender descrever a situação das comunidades linguísticas menorizadas, enquanto o da diglossia se correspondente com as línguas normalizadas? Temos em Portugal o exemplo da professora Marinus Pires de Lima, com uma sociolinguística das diferenças na fala...
Estas duas conceções são percetíveis nas bibliografias disponíveis. Correspondem-se com a ‘sociolinguística do conflito’, pensada e redigida em portunhol (cujo primeiro e máximo exponente é o livro Conflito... de Francisco Rodrigues) e aquela redigida no português da Galiza (nas suas diferentes normas...) e cujo máximo representante é António Gil. Podemos chamá-la ‘sociolinguística histórica’ ou ‘construtiva’.
As diferenças de conceção resultam evidentes. A sociolinguística do conflito é aquela que tem fomentado a distorção do conceito originário de Ferguson, para o nos explicar o propagandístico esquema de língua A (espanhol) submetendo a língua B (galego, basco e catalão). Para o sociolinguista -ativista, tem a virtude de fazer visível a existência de duas línguas com diferente rango social e certo valor catártico no sentido de denunciar uma situação desigual.
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(1) Sobre a estrutura e elaboração de um trabalho científico, ou minimamente regrado, veja-se as “Normas técnicas para a edição de trabalhos científicos”, da Associação Brasileira de Normas Técnicas. CERVO, A.L. e BERVIAN, P.A. (1983): Metodologia científica. ED. McGraw-Hill, São Paulo. pp. 92-136. Relativamente à linguagem científica e alguns critérios de redação, Ver também pp.137-151.
(   ) A meta-análise é empregada, por exemplo, na Psicologia Social. Para uma aproximação inicial a estas técnicas, veja-se: COOPER, H.M. (1979); BECKER, B, J. (1987); ROSENTHAL, R. (1978);
(  ) “O método experimental da física –inclusive o emprego de certos mecanismos operatórios mostra-se fecundo quando se analisam objetos inanimados, mas, quando o “objeto” é um homem, a relação sujeito-objeto apresenta caraterísticas completamente novas. A objetividade da ciência do homem é uma objetividade diferente: os seres humanos não são “objetos” e suas atitudes não são simples “reações”. Em síntese, a relação básica, neste caso, não é de “sujeito-objeto”, mas de “sujeito-sujeito”.” (págs. 76-77), ASTI VERA.
(  ) Quanto à sociologia, existem modelos gerais e parciais. O método de investigação mais empregado é a pesquisa de campo. As técnicas de pesquisa são: 1) observação; 2) entrevista; 3) Experimento; 4) estatística. (Asti Vera, página 35).
(  ) Sobre epistemologia pode ler-se o clássico de ROBERT BLANCHÉ (1988): A. MOULINES, C.U. (1982): Exploraciones metacientíficas. Ed. Alianza, Madrid. Sobre o que é a filosofia da ciência, pp. 27-60. Sobre o conceito de teoria científica, pp.63-73

5. BIBLIOGRAFIA
ARACIL, LL.V. (1983): Dir la realitat. Ed. Països Catalans, Barcelona.
BECKER, B.J. (1987): “Applying tests of combined significance in meta-analysis”, in: Psychological Bulletin, vol. 102, nº1, pp.164-171.
BERGER, P.L., LUCKMANN, T. (1973): A construção social da realidade. Ed. Vozes, Petrópolis.
BLANCHÉ, Robert (1988): A epistemologia. Ed. Presença, Lisboa
CASTRO, Armando (1986): “A causalidade nas ciências sociais: Uma abordagem epistemológica”, pp.279-312, in: SILVA, A.S. e PINTO, J.M. (orgs): Metodologia das ciências sociais. Ed. Afrontamento, Biblioteca das Ciências do Homem, Porto.
COOPER, H.M. (1979): “Statistically combining independent studies: A meta-analysis of sex differences in conformity research”, in: Journal of Personality and Social Psychology, vol. 37, nº1, pp.131-146.
CRISTÓVÃO ANGUEIRA, J.A (1990b) "Bibliografia de Sociolinguística lusófona", in: Noves de Sociolingüística, nº. 9, Barcelona, pp. 3-33. In: Temas do Ensino de Linguística e Sociolinguística, vol. VI, núm. 21-26, pp. 71-99.
GARCIA GONDAR, F. (DIR) (1995): Repertorio bibliográfico da Linguística Galega. Centro de Investigacións Lingüísticas e literarias Ramón Piñeiro. Santiago de Compostela.
FAJIM, V. (2000): O galego impossível. Ed. Laiovento.
GIL HERNÁNDEZ, A. (1980): “Sobre o lusismo”, carta em Man Común, nº1, p.56.
HERRERO VALEIRO, M. (        ): Bibliografia de discurso sociopolítico na Galiza. Inédito. Acessível pela internet.
MANN, Peter H. (1983): Métodos de Investigação sociológica. Ed. Zahar, Rio de Janeiro. pp. 33-38.
MYRDAL, G. (1976): A Objetividade nas Ciências Sociais. Assírio e Alvim, Lisboa. Nota: (Os entusiastas do galego-espanhol podem procurar a edição impressa na sua ortografia nacional em qualquer biblioteca de faculdade de letras das universidades galegas. Ainda não têm qualquer edição em português. Porventura os professores e alunos leem a edição original em inglês?).
RODRÍGUEZ, F. (1979): Conflicto lingüístico e ideoloxía en Galicia. Ed. Xistral, Vigo.
ROSENTHAL, R. (1978): “Combining results of independent studies”, in: Psychological Bulletin, vol. 85, nº1, pp. 185-193.
STRASSER, Stephan (1963): Phenomenology and the human sciences. Éditions E. Nauwelaerts, Lovaina.
VERA, Asti (1968): Metodología de la investigación. Ed. Kapelusz, Buenos Aires. Citações da edição portuguesa (6ª Ed.1980): Metodologia da pesquisa científica. Ed. Globo, Porto Alegre – Rio de Janeiro.

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