terça-feira, 28 de junho de 2011

os 3 santos juninos na língua do povo


Os três santos juninos na língua do povo

Gutemberg Costa*
Sabe-se que a religiosidade popular é a mais expressiva forma de demonstração de fé do nosso povo simples. É na sua essência a verdadeira matriz cultural e espiritual no modo de viver deste povo. O Frei Chico, que também é escritor desta área, com muita propriedade nos afirma, que 'o povo não separa o lado santo do lado profano'. E é esta mistura o que diferencia a religiosidade popular do Catolicismo oficialesco oriundo de Roma. A Igreja romana recomenda uma coisa e o povo nordestino com muita criatividade faz outra. Ele canoniza quem acha ser santo e manda para as profundezas dos infernos aqueles que em vida só fizeram maldade. Abençoa e pragueja se necessário for a situação... vai adaptando os rituais de sua fé ao seu meio sócio-cultural. A Igreja que não duvide com a forma do povo canonizar os seus santos. Conta-se que certa vez, uma pessoa observando muitas velas acesas em torno de uma imagem e nenhuma em outra num oratório de uma casa sertaneja, ouviu a seguinte explicação do dono da casa: "Não acendo vela pra santo que não faz milagre!".

No mês de junho, especialmente nas cidades nordestinas o povo comemora efusivamente os santos Antônio, João e Pedro. Dos três o mais popular é o Antônio, que nascido em Lisboa, Portugal com o nome de Fernando, recebe o nome religioso de Antônio. Nasceu a 15 de agosto de 1195 e faleceu em 13 de junho de 1232. Foi canonizado menos de um ano de sua morte, devido a sua fama de milagroso. Chegou junto à fé popular com a vinda dos portugueses ao Brasil. Era evocado para todas as ocasiões, cura de doenças, aparecimento de objetos perdidos, amansador de animais bravos e principalmente em conseguir maridos para as mulheres solteiras. Já anotamos diversas situações em que a imagem do santo é torturada no intuito de forçar os tais casórios, como lhe tirar a criancinha dos seus braços, o colocar de cabeça para baixo, ser privado de velas acesas e a mais estranha foi a de uma mulher que colocou a imagem no congelador de uma geladeira até aparecer um esposo. Existe a sua popular corrente que é enviada a 13 pessoas, além de inúmeras orações, ladainhas e novenas. Há uns dez anos atrás, eu estando na cidade baiana de Macaúbas no dia 13 de junho, fui convidado para anoite participar da cerimônia do final de sua novena em uma das residências de lá, onde o dono da casa serviu um farto jantar a todos os presentes como ritual do final da novena. Começamos rezando e finalizamos a noitada com quentão e comidas típicas da região. 

O segundo é o São João Batista, primo segundo de Jesus Cristo e de quem este recebe o batismo. O povo o chama carinhosamente de São João do carneirinho. Seu símbolo maior é a fogueira, que teria sido acesa por sua mãe, Isabel, para anunciar seu nascimento a sua prima Maria, mãe de Cristo. Relacionados ao santo existem muitas crendices, como as adivinhações de se colocar uma moeda dentro da fogueira para não lhe faltar dinheiro e enfiar uma faca num tronco da bananeira para ver no outro dia as iniciais do nome do futuro marido da moça solteira que a furou. Lá em casa Papai ficava aperriado quando a sua fogueira demorava acender, pois era prenuncio de coisa ruim para o mesmo. Outra superstição de meu genitor era ele olhar o reflexo de seu rosto numa bacia, e se acaso não o visse refletido era sinal de que não viveria até o São João vindouro. Isto ocorreu no último São João de sua vida, pois 'seu' Geraldo Costa, faleceu no mês de maio, portanto não chegou acender a sua costumeira fogueira de São João. Já uma expressão vinda da boca do povo relaciona o santo ao sono: "Fulano dorme mais do que São João". Foi num dia 23 de junho, uma véspera do seu dia, que tornei-me compadre do saudoso amigo Celso da Silveira. Celso apesar de sua obesidade pulou 3 vezes a fogueira para apadrinhar sua afilhada, minha filha Sarah Costa: "...São João disse, São João confirmou, que Sarah haverá de ser minha afilhada, que Jesus Cristo mandou...". Terminado o sério batizado, o compadre Celso levou-nos para um restaurante, pois segundo este era a tradição na cidade de Assu, o compadre pagar o jantar da afilhada e dos compadres neste dia. O mestre saudoso folclorista Veríssimo de Melo é autor do trabalho 'Superstições de São João', onde relaciona inúmeras crendices com o santo. 

E o terceiro santo junino é o São Pedro. Pescador de nome Simão, que tornou-se o apóstolo Pedro e o primeiro Papa Católico. É o último santo do mês de junho, com comemoração a 29 de junho. Também com direito a fogueira e procissão em várias cidades. Padroeiro do meu querido bairro do Alecrim. Por ter sido eleito pelo povo o porteiro do céu é muito respeitado pelos vaqueiros: " quando eu morrê, coloque no meu caixão/meu uniforme de couro/perneira,chapéu, gibão/ pra mode eu brincar com São Pedro/ nas festas de apartação". Para o povo é São Pedro quem abre as torneiras em épocas poucas chuvosas e é o protetor da boa pescaria. O folclorista paulista José Santana, antes de ser recebido por este no céu, publicou em vida o livro 'São Pedro na boca do povo', onde se vê as lendas e contos folclóricos trazidos da memória privilegiada do povo, muito temente a Deus e muito mais confiante em seus santos do velho oratório. Embora se diga em toda calçada sertaneja: "Santo de casa não obra milagre!"
* Vice-presidente da Comissão Norte Riograndense de Folclore.

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