domingo, 15 de maio de 2011

“O português tem futuro no território”

“O português tem futuro no território”

Por Filipa Queiroz | 13 Abr 2011 | Enviar por email
Linguistas defendem papel de Macau na promoção da língua portuguesa
Malaca Casteleiro e Evanildo Bechara aplaudem o desenvolvimento do ensino do português na RAEM e defendem o papel unificador do Acordo Ortográfico que esperam ver ser implementado em breve no território
O ensino do português em Macau está de boa saúde e recomenda-se, pelo menos é essa a visão de João Malaca Casteleiro. O professor e linguista português da Academia de Ciências de Lisboa foi um dos oradores da sessão da tarde de ontem do 15.º Colóquio da Lusofonia. Na sua apresentação sobre os “28 anos de Labuta pelo Ensino do Português em Macau e na China”, Malaca Casteleiro fez um balanço “muito positivo” da evolução não só do ensino como da promoção do idioma luso no território, frisando a importância do apoio chinês nessa tarefa.
“O português é uma língua desejada e promovida pelos chineses. A China está muito empenhada e envolvida nas relações comerciais com os diferentes países de língua portuguesa, nomeadamente a África e o Brasil”, explicou o linguista em entrevista ao Hoje Macau à margem do Colóquio. Malaca Casteleiro frisou que há milhares de alunos a aprender português em Macau, o que confirma o reconhecimento do ensino da língua como factor de identificação cultural no território. “Embora não seja uma língua de comunicação na rua, é importante esta ligação e esta presença.”
Malaca Casteleiro garante que a “inevitável” expansão da língua inglesa na RAEM, nomeadamente nas instituições de ensino, não constituiu uma ameaça à língua de Camões. “O português já teve este papel no passado, seguido do francês e a partir da Segunda Guerra Mundial foi a vez do inglês se sobrepor e generalizar.” O académico considera que em Macau há espaço para a convivência das três línguas – o chinês, o português e o inglês. Casteleiro frisou que o estímulo da educação trilingue desde tenra idade é muito importante e deve ser estimulada nos estabelecimentos de ensino.
Evanildo Bechara, responsável pelo vocabulário ortográfico no Brasil e outro dos oradores do painel de ontem, confessou-se comovido. “Hoje [ontem], na cerimónia de abertura, assistimos a um facto que chega a ser emocionante, vimos macaenses com um mês de curso intensivo de português a recitar poemas e cantar canções com emoção e justa pronúncia do português, o que representa um grande esforço da juventude no sentido do estudo do idioma luso”, confessou o académico de 83 anos em entrevista ao Hoje Macau.
O linguista e membro da Academia de Letras do Brasil considera que “o português tem futuro no território, não só como componente cultural, histórica e política mas também, e mais do que tudo, comercial”. “Hoje os países de língua oficial portuguesa representam um peso importante na comunidade comercial do mundo, estando a China em primeiro lugar como exemplo dessa audácia de ocupar o primeiro lugar do lado económico do mundo”, apontou Bechara.
Uma questão ortográfica
Em Macau o português que se aprende nas instituições de ensino ainda não é aquele revisto pelo Acordo Ortográfico ratificado em 1990 pelos governos português e brasileiro. Tão pouco o português que se escreve neste jornal, e em todas as publicações e documentos do território, fizeram desaparecer o “p” da palavra “óptimo” ou o “c” da palavra “acção”. Mas o autor da “Moderna Gramática Portuguesa” considera que esse dia pode estar próximo. “Faz todo o sentido. Você nunca faz uma reforma para complicar. Quando faz uma reforma em sua casa, os objectivos são a simplificação e funcionalidade. Este Acordo atinge esses dois propósitos.” Evanildo Bechara acrescentou que “numa região que é historicamente de encontros entre o Oriente e o Ocidente, Macau pode representar uma grande ajuda na implementação do acordo dada a sua voz cultural, responsabilidade histórica e trabalho profundo junto à China ou com a China, no sentido de preparar professores para a língua portuguesa.”
É sabido que a implementação do Acordo Ortográfico não tem decorrido da mesma forma no Brasil e em Portugal, onde continua a merecer cerradas críticas. Mas Evanildo Bechara desdramatiza. “Toda a adopção do Acordo é precedida de brigas homéricas, isso aconteceu em 1911, depois em 1915, depois em 1930, depois em 1943, depois em 1945, de modo que em 1990 já estava com a experiência calejada dessas brigas”, justificou o linguista. Bechara recordou que a primeira “briga” começou entre monárquicos e republicanos em 1911 – a primeira reforma ortográfica em Portugal foi publicada no Diário do Governo a 12 de Setembro desse ano – e, como qualquer mudança de hábitos, continua a ser recebida “com perplexidade”.
A velha questão
Contrariando a opinião de muitos, apoiada por pesquisas que indicam que o Acordo Ortográfico alterou 1,6% do vocabulário de Portugal e 0,5% do vocabulário do Brasil, Bechara defende que os brasileiros são quem tem de fazer as maiores cedências, nomeadamente no que toca à acentuação das palavras. “Quem faz esses comentários não leu o Acordo, cuja base remonta a 1945 e volta às técnicas e usos da escrita do português de então”, justifica. “Na ortografia de Portugal há um abuso no emprego das consoantes que não se pronunciam e que ocupam muito espaço no léxico português. Isso é uma dificuldade para as crianças que são obrigadas a escrever uma letra que não ouvem”, explica. O linguista acredita que a reforma vai ser “definitiva” e valiosa. “É um grande marco deste momento da lusofonia para que cheguemos a uma unidade ortográfica que é fruto da maturidade política, cultural e económica dos países de falam língua oficial portuguesa.”
João Malaca Casteleiro, que participou na redacção do Acordo Ortográfico, garante que a sua entrada em vigor é “irreversível” apesar da “hesitação e atabalhoamento” que têm impedido a implementação pacífica da reforma em Portugal, entretanto agravada pela situação financeira do país. “Não há recursos, de modo que não se podem fazer omeletas sem ovos. Mas já existe o reconhecimento de que investir na língua portuguesa é também investir na economia e relações culturais e promoção do país no estrangeiro”, desenvolve.
Deste lado do globo, na óptica de Malaca Casteleiro a ausência de crise e manifesto empenho da China no estímulo ao ensino do português apresenta-se como um sinal positivo que o linguista espera ver ganhar forma brevemente com a ratificação do Acordo que, vinca, “foi feito a pensar nas novas gerações”.
Colóquios passam pela Livraria Portuguesa
Por volta das 18h de hoje, a Livraria Portuguesa junta-se ao 15º Colóquio da Lusofonia com o lançamento de três obras de autores que estão em Macau para participar no evento. Vasco Pereira da Costa traz a sua colectânea de poesia “Fogo Oculto”, dedicado às ilhas como espaços geográficos e às recordações que deixam. Anabela Mimoso, autora que se dedica aos escritores açorianos do final do século XIX e à literatura infanto-juvenil, apresenta “Os Búzios” e Chrys Chrystello lança o segundo volume de “ChrónicAçores”, obra que, segundo o autor, “continua a fazer a sua circum-navegação, da Austrália a Timor, Macau, Bragança e Açores”. A académica Concha Rousia fará ainda uma apresentação das últimas obras da Academia Galega da Língua Portuguesa, todas escritas na variante galega portuguesa.
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Escrito por Filipa Queiroz em 13 Abr 2011. Arquivado sob Destaque, Sociedade. Pode seguir todas as respostas sobre esta entrada através de RSS 2.0. Você pode deixar uma resposta, ou trackbacks a esta entrada

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